sábado, 3 de janeiro de 2009
NA MINHA ALDEIA
NA MINHA ALDEIA
Formou-se entre montanhas;
como as da Italia, como as da França, como as de
Portugal...
Um rio desce dos montes, corta os pátios das
casas velhas, algumas dessas casas guardam nos
fundos as antigas senzalas dos escravos.
O rio vai alcançar o mar através de um canal aberto
para isso, e, despeja-se na praia de Grumari.
Em volta, as montanhas baixas como as montanhas
do Brasil próximas ao mar, mas cerradas pelas
florestas onde cantam os sabiás, gritam os tucanos,
chiam os macacos, deixam partir os bandos de mari-
tacas e os papagaios.
Meu jardim tem beija-flores tão miudos que
parecem bezouros e dias inteiros, mesmo no
inverno, ouve-se o chiado das "cigarras pequenas".
Não planto árvores frutíferas: as sementes das goiabas,
das nêsperas, das acerolas, dos mamões, "caminham"
sozinhas: umas têm pelos que as fazem se locomover,
outras, filamentos nas pontas que as levam como pares
de pezinhos - elas mesmas cavam seus berços e aí
se deitam para renascer.
A Vargem Grande me lembra Portugal - disse eu uma vez
à uma portuguesa:
- Sim, lembra Sintra - respondeu ela.
- É mesmo, pensei.
Sintra é assim: aquela muralha arredondada de
montanhas, com seus dois castelos afastados de tudo.
Um é mouro. Ao centro, outro castelo, com sua escadaria
de pedra e o quarto de D.Sebastião que desapareceu na
batalha contra os árabes. Nesse castelo também tem um
quarto onde um nobre foi preso por um irmão - e como o
coitado não tinha televisão, computador, nem telefone,
só fazia andar sobre o chão calçado por lages - e tanto
andou, de lá para cá, de cá para lá, que seus passos
atordoados, "comeram" as pedras que calçavam seu
quarto. O "gasto" daquelas pedras é sagrado. Uma
corrente mantém aquela ferida aberta pela aflição, e
jamais pés indiferentes à tanto desespero poderão
macular a dor que ainda reside no Inferno.
Castelo é uma coisa muito perigosa: castelo, mesmo morto
tem memória histórica - as trevas, ido o Sol, os cobrem -
mas sob essa cobertura, eles são os únicos que não
dormem - quem dorme, exultante de casos não concluidos,
chamados não respondidos, luares que passam por suas
janelas e portas e aguardados?
Repousa Sintra - e repousará Vargem Grande com suas
senzalas de dores disfarçadas, feridas encobertas pelo
simples fechar das portas com suas imensas chaves
para a mesma escuridão da noite que se distende e
repousa nas encostas européias?
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