segunda-feira, 31 de março de 2008

A morte de Clarisse Indio do Brazil (Conclusão)

A morte de Clarisse Indio do Brazil (Conclusão)
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O Senador Arthur I. do Brazil cedo deixa o Senado e continua velando pela educação da afilhada Ruth - que não freqüentou nenhum colégio da época. Todos os professores vinham em casa, e era uma moça prendada em tudo o que exigiria uma refinada educação. Falava francês, inglês, conhecia literatura universal, bordados finos, piano, canto. Arthur I. do Brazil foi condecorado com as principais comendas de um homem político e dedicado a assuntos que correspondiam à vida da nação.
Fora ele o encarregado pelo Imperador D. Pedro II a verificar a passagem do planeta Vênus pelo disco solar; aliás a astronomia era uma de suas predileções.
Arthur I. do Brazil recebera entre muitas comendas a de Simão Bolivar, a Comenda da Rosa, o Tesouro Sagrado do Japão das mãos do Imperador pai do imperador Hiroito.
Ruth, que tinha nove anos por ocasião do falecimento de sua madrinha Clarisse, agora era uma moça alegre, praticante de natação e adorando dançar nas festas da sociedade. Seu relacionamento com o padrinho Indio era de grande afeição, pois ele deixava que ela desse seu o nó na gravata quando saía para lanches na Confeitaria Colombo e a lágrimas sentidas, quando Arthur lhe recriminava com sua voz aos gritos. Mas, educada fora para representá-lo em acontecimentos que ele já não tinha tanto prazer em ir.
Todos os pedidos para uma viagem à Europa foram negados, pois Arthur (Tuca, como ela o chamava) temia que ele morresse estando ela ausente.
Arthur Indio do Brazil partiu quando Ruth tinha 22 anos. Fizera o político testamento minucioso que fora publicado em jornal da época. Nomeara mais de três tutores para a afilhada, do que nada adiantou: o marido de Ruth afasta-a de todos que com ela conviveram e ela viu-se afastada da sociedade, levando uma vida simples de moradora em grande casa em Ipanema.
A casa onde comecei a despertar para a vida, era grande e eu não tinha noção de que vivia em meio a um requinte de objetos valiosos de que só agora recordo atônita.
Nasci em l934, no dia da morte de Clarisse I. do Brazil - 7 de Outubro. Logo foi decretado que meu aniversário seria transferido para o dia 8 para poder ser festejado. Eu recebia os parabéns de minha mãe no dia 7 e íamos, ela e eu levar lírios ou copos-de-leite para o seu túmulo de Clarisse.
Arthur I. do Brazil construiu para Clarisse o Taj Mahal brasileiro. É um túmulo todo construído de todos os mármores, vitrais e bronzes estrangeiros - nenhuma peça do Brasil. Seu exterior é do mármore vermelho de Verona, a terra dos amantes famosos Romeu e Julieta. Tem duas janelas de vitrais representando Clarisse cercada de anjos em ascensão aos céus. A cúpula é de bronze dourado, assim como a porta com grades douradas representando a folha de hera, símbolo do amor deles - "Onde me apego, eu morro". Dentro, é todo em mármore bege, rosa e branco. O túmulo do meio é de mármore bege sustentado por colunas de ônix verde do Marrocos.
Além do túmulo do meio, existem mais três que são: sob o altar consagrado ao Espírito Santo, estão os ossos de D. Delphina, primeira mulher de Arthur. Dizia minha mãe que foi a extrema dedicação à Delphina que o encantara aos olhos de Clarisse. Arthur já se casara com Delphina tuberculosa. O casamento durou seis meses, com Arthur empurrando-a numa cadeira de rodas. De Delphina, tenho apenas um retrato esmalte de uma mulher magra, de grandes olhos e os cabelos em tranças grossas rodeando sua cabeça como um diadema.
Os outros túmulos são de Alfredo, seu irmão, que morreu de febre quando serviu como engenheiro na construção da estrada Madeira-Mamoré; e seu pai, Capitão Tito Livio.
Ruth morreu com 59 anos em Outubro de l969, deixando-me com 37 anos de idade e mais dois irmãos casados.
No seu enterro, fiquei na capela recebendo os que lhe vieram trazer o seu adeus; não assisti a exumação do corpo de Arthur, assistida pelos meus dois irmãos Jose Arthur e Luiz Eduardo. Contaram eles que, ao abrirem o túmulo, e sob os ossos de Arthur, havia uma placa em bronze com a inscrição de que era proibido tocá-la, pois encobria o corpo de Clarisse em caixão de chumbo, o que me leva a crer que ela foi embalsamada - sei que foi enterrada vestida com o habito das irmãs clarisses. Triste fiquei por não ter visto os ossos de Arthur nem os botões de sua farda - mas, ao mesmo tempo, achei que foi bom - pois nos retratos que tenho e no grande quadro a óleo na Santa Casa de Misericórdia, ele é tão bonito, com sua pele tisnada como um indiano e seus maravilhosos olhos negros - que ele mesmo, segundo minha mãe, dizia quantas mulheres se sentiram atraídas por aqueles olhos...
Fora do túmulo está um grupo em mármore de carrara, representando Clarisse confortando os pobres: é uma mulher (todos em tamanho natural) com uma criança no colo e um menino segurando suas saias - um velho tira seus amassado chapeu para Clarisse, tendo um remendo nas suas velhas calças - e o cão que se arrastou a seus pés para aí morrer, também está lá, de cabeça erguida contemplando a que fora sua dona.
Quando trouxeram o caixão de minha mãe, eu me apressei a entrar no túmulo e me esgueirando pelo canto, fiquei encostada ao altar de frente para onde ia descer o esquife; os coveiros pegaram na caixa com os ossos de Arthur e me perguntaram aonde a colocariam: - eu respondi: - "Coloquem-na aí, sobre os pés dela..."

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O ORATORIO

A casa de Visconde de Pirajá era muito grande; ficava quase na esquina da rua Farme de Amoedo.
A jóias de minha mãe eram muitas e belíssimas. Eram guardadas em um cofre de ferro numa penteadeira de mogno. Seu boudoir constava de um grande espelho em prata dourada, assim como assessórios em espelho de prata, cofre de prata, vidros em cristal vermelho com tampas em prata dourada e tudo o que havia de mais requintado e fino. Uma sala, onde se reuniam para ouvir piano e cantarem, era toda em aubusson de seda em moveis de madeira branca européia dourada. Havia uma grande moldura dourada sustentando uma pintura a pastel representado a Rainha Maria Antonieta sem a cabeleira postiça.
Havia uma vitrine nesta sala com uma grande coleção de marfim oriental, além de objetos de arte japoneses e chineses. Obviamente que esta sala era em estilo Luiz XVI, com seu maravilhoso lustre de cristal. O faqueiro dos banquetes era em prata e prata com ouro - vermeille.A louça era de limoges com as iniciais de Clarisse em ouro e esmalte. Um aparador na sala de jantar estava coberto de prata portuguesa, alemã e inglesa. Uma cristaleira exibia os cristais São Luiz, as taças em cristal de rocha e os cálices que Murano fabricava para os sultões da Turquia.
Comia-se em baixela comum de banho de prata e as facas eram de aço e cabo de marfim.
Mas havia uma coisa nessa casa que me era muito cara: o Oratório de D. Pedro II. Em madeira negra, da altura do chão ao teto, suas portas eram esculpidas com imagens de santos e com ágatas incrustadas - não, as imagens eram em bronze. No alto, uma cruz de madeira incrustada de ágatas. Era forrado de feltro cor violeta, na altura de quem ajoelhado apóia os braços, havia uma espécie de mesa com tampa que se abria e onde estavam guardados os livros de missa e as palmas secas dos Domingos de Ramos. Tinha um genuflexório também forrado de feltro violeta e numa reentrância embaixo, estava um grande medalhão em bronze representando a circuncisão de Jesus Cristo.
Da cruz acima, pendia uma lamparina bizantina por correntes de prata, que Ruth mantinha sempre acesa.
Houve o desquite de meus pais, minha mãe herdou casas gravadas por Arthur "nos filhos que ela porventura viesse a ter - senão, seriam da Santa Casa" - aluguéis defasados, má administração de tudo, toda essa riqueza foi-se indo... - Um dia, foi-se o oratório.
Aquele marinheiro - me deixara duas pistas para a estrada que eu teria que percorrer: na parede da sala de jantar, havia um paneau japonês, representando um pavão em tamanho natural, bordado, sobre um galho de pessegueiro e na Enciclopédia Larousse do XX Século, onde na letra I de Índio e de India - pois o Almirante Arthur inventara um aparelho de navegação - por isso estava naquela enciclopédia - havia na letra I um templo na Índia, em Madurai - UM UNICO TEMPLO - um que tem na sua frente colunas que são cavalos empinados - Thiruparacundram - o templo - que iria substituir o Oratório que eu tanto amara - um Templo dedicado ao deus MURUNGA - um filho do deus Shiva - AQUELE QUE MONTA O PAVÃO - um almirante não confunde as rotas que devem orientar os que vem após si...

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