segunda-feira, 31 de março de 2008


SANGUE NO TEMPLO

Sim,
ela fora abatida por amor,
e para perdurar a
Sensualidade.
O Sangue
foi limpo das pedras,
mas não das mãos
dos deuses...
Os deuses
resolveram, que em
memoria dos Amantes,
pelos seculos vindouros,
manteriam o sangue morno,
porque assim aquecido,
o Amor não pereceria.
Isolados,
entre a Vida e a Morte,
tendo o Sangue
como Sensualidade,
jamais se satisfariam...
As preces,
os Ritos da Yoga,
e o latejar do Desejo,
que não deixa nunca
que o olvido
permita que se deleitem
um dia, onde o gozo poderá
selar com um perdão
a sentença da Separação.

A MORTE DE CLARISSE INDIO DO BRASIL

A MORTE DE CLARISSE INDIO DO BRAZIL
CARTA
Caro Amigo:
Foi a morte de Clarisse que estourou a profusão de versos e cartas, como as de Coelho Neto e Humberto de Campos. Na verdade, Clarisse não fez nada digno de nota: casou-se contra a vontade da família, por ser Indio do Brazil um homem sem dinastia, de pele morena e sabe-se lá de que descendência... Fazia caridades, licores, e copiava trechos românticos de livros - e muito católica, de gênio forte, tiradas alegres que faziam rir os criados, ficou com toda a criadagem em casa durante a epidemia da espanhola - e só. Mas sua morte trouxe duas coisas importantes: a estranha personalidade do assassino, o mistério do seu gesto. O magnífico epílogo, foi a intervenção da mulher do assassino, a carta que ele escreveu lamentando o destino de Alice, sua esposa, a personalidade dele que chegou a assombrar o Delegado - demonstrando magnífica inteligência, sabendo eu por carta dele que na verdade era parente dos Jaguaribe e portanto de origem nobre! O encontro da chegada da carta de Alice, a esposa do assassino, no momento da entrada em coma de Clarisse e ainda sua ultima reação, pedindo ao marido que perdoasse Mario - e chamando-o por último de Coração, como aliás era assim que tratava o marido. Sei por pessoas que o visitavam a prisão, que Mario tornou-se espírita e fazia seções na cadeia para pedir perdão à Clarisse. Mario recebe condenação de 20 anos, mas sai com uma condicional aos dez anos de pena. Dizem que constrói uma casa para Alice e se mata - mas, como eu nunca soube como se matou, não pude até hoje escrever essa historia. Aguardo qualquer aparte ou correção sua amiga Clarisse
Clarisse Lage Indio do BrazilClarisse Lage Indio do Brazil fará 8l anos de morta, no dia 7 de Outubro de 2000. Quem foi Clarisse, de quem uma rua de Botafogo tem seu nome? Em primeiro lugar, foi minha avó. Clarisse não teve filhos e adotou uma menina, filha de seu cozinheiro chinês. À essa menina, ela deu o nome de Ruth - Ruth Indio do Brazil - que veio a se casar com Adalberto de Oliveira, funcionario do Banco do Brasil - de quem uso o nome que me foi registrado. Tirando o "Indio do Brazil", Clarisse de Oliveira. Clarisse Lage nasceu em 4 de abril, talvez no ano de l869. Era filha do Comendador Antonio Martins Lage e de D. Anna Ribeiro Mattos Lage. Casou-se - contra a vontade da família, com Arthur Índio Do Brazil e Silva, em 23 de Janeiro de l893. Até a data de seu casamento, em 27 de junho de l888, Arthur tinha sido Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, de l6 de novembro de 1889 e janeiro de 1890, Chefe de Segurança Publica do Pará e Presidente do Conselho de Intendência de Belém ( 24 de fevereiro de 1890), Deputado à Constituinte Federal. Foi um dos signatários da Constituição. Arthur I. do Brazil, foi Deputado, Almirante e Senador e em 23 de dezembro de 1925 Grande Benemérito e Marquez pelo Papa. Clarisse e Arthur residiram a Rua Voluntários da Pátria, 118, numa casa chácara, onde criava vacas holandesas para o leite da Casa dos Expostos, da Fundação Romão Duarte - e conhecida como pessoa caridosa e preocupada com os pobres. Havia uma face de Clarisse que naturalmente a sociedade daquela época não daria o valor que seguramente hoje não passaria despercebido: o seu imenso amor aos animais. Clarisse era amiga do Diretor do Jardim Zoologico, cujo nome aparece na lista dos presentes ao seu enterro: ela conseguira encanar a perna de um pássaro pernalta! O touro reprodutor de suas vacas, chamava-se "Pará" e tinha uma argola no nariz pois era um animal de grande força. As araras acompanhavam-na pelo corrimão da escada quando Clarisse subia ao segundo andar de sua casa. A mordida de um mico no seu rosto, deixara-lhe uma temporária inflamação. Um macaco chimpanzé chamado "Nero", tivera mesa própria para comer e copinho de prata com nome gravado - um cão se arrastara para morrer a seus pés - aliás, este cão está no grupo de estátuas da sua sepultura. A Trágica Morte de ClarissePor ocasião do assassinato de um político, Clarisse disse ao seu marido: - "É assim que eu vou morrer"- Arthur reagiu: "Que bobagem, Clarisse, como pode dizer uma coisa dessas!" - e mais tarde, quando se rompeu seu colar de pérolas e, recolhidas, nenhuma faltava, ela disse: "Nem mais um dia de vida - a morte está próxima". Em fins de setembro de 1919, Mario Abreu Teixeira Coelho, desapareceu de casa. Era viciado em cocaina e alcoolatra. Mario reaparece na tarde de segunda-feira, dia 6 de outubro, às l8:30 horas, no centro da cidade, esquina da Rua do Ouvidor com Ourives, perto da joalheria Luiz de Rezende. O Senador Arthur I. do Brazil, tinha um escritório a Rua da Alfandega, 94. Clarisse costumava todas as tardes buscar o marido no trabalho. "O JORNAL"- Terça-feira, 7 de outubro de 1919."Faltavam alguns minutos para as 18:30 horas. Um "Landaulet" vindo pela Rua dos Ourives, foi estacionar próximo a Rua do Ouvidor, em frente à Joalheria Rezende. O motorista, saltando, deu a volta para abrir a portinhola do carro, a fim de dar passagem a passageira. Nesse momento, foi ouvido um estampido, que não despertou curiosidade por ter sido tomado como estouro de câmara de ar. O "chauffeur" chegava-se à porta quando esta abriu-se bruscamente, apparecendo o "toillett" azul da senhora do Almirante Indio do Brazil, que, tendo a mão esquerda sobre o peito e a direita agarrada ao trinco da portinhola, declarou estar ferida e indicava como seu agressor um indivíduo que, as mãos nos bolsos das calças, procurava desaparecer dentre a multidão que transitava por aquelle trecho. O motorista correu em direção do apontado criminoso, que entrou pela porta da joalheria, na parte da Rua do Ouvidor, saindo pela outra do lado da Rua Dos Ourives.
Outros populares, que o viram guardar o revólver no bolso, com o grito da senhora, perceberam tratar-se de um crime, e tentaram também tolher os seus passos.
O indigitado criminoso fez novo percurso pela Rua do Ouvidor, penetrando pela Ourivesaria pela segunda vez, sendo, ao sair pela Rua dos Ourives, detido pelo motorista e outros populares que embargaram a sua passagem.
- Que querem de mim? Foi a única pergunta que fez o desconhecido, que se mostrava alheio a toda ocorrência.
Os gritos de acusação partiam de todos os cantos e o guarda civil rondante, acudindo ao alvoroço, inteirando-se do caso, deu voz de prisão ao detido, que se prontificou a segui-lo.
Foi afirmado de que a arma de que se servira estava em um dos seus bolsos, e o policial revistando-os, apprehendeu-a.
Era um revolver "bulldog" velho, de cano curto. Estava carregado com as cinco cápsulas, das quais uma estava detonada.
Enquanto isso se passava, a senhora do Senador Indio do Brazil era carregada para a pharmácia Werneck, onde recebeu os primeiros socorros, até a chegada da ambulância da Assistencia que a transportou para a Casa de Saúde São Sebastião, onde ficou internada."
Continuando o relato da época, o acusado, chegando à Delegacia, foi interrogado pelo Comissário Abílio e disse chamar-se Fernando Batista. E nada quis dizer sobre o atentado à senhora do Almirante, que declarou conhecer e disse chamar-se Clarisse.
Os seus bolsos foram remexidos e encontrados neles promissórias, e outras confirmações de dividas de Credito para Mario Abreu Teixeira Coelho; e, dois cartões dos advogados Domingos Jaguaribe e Arlindo Vieira da Costa. Foi ouvido o chofer Ismael Tavares da Silva que declarou servir há menos de um mês à família do Senador e que não viu o criminoso alvejar D. Clarisse, prendendo-o por ter ela o apontado como seu agressor.
"Foi qualificado na Delegacia, Mario de Abreu Teixeira Coelho, filho de Geraldo Teixeira Coelho e Felicia Teixeira Coelho, com 34 anos de idade, casado, natural de Minas Gerais, empregado no Comercio e residente à Rua Lafayette n 11, em Ipanema."
Era o criminoso um tipo observador e sereno e conhecedor das pessoas de nossa sociedade.
(Nos jornais dos quais tirei cópia da Biblioteca Nacional, Mario Coelho era descrito como um individuo alto e magro, que usava bigode.)
"O JORNAL" "A pobre senhora, em estado grave, deu entrada na Casa de Saúde São Sebastião, apresentando um ferimento no peito. Às 22hs foi submetida submetida à operação, estando os facultativos esperançosos de salvá-la. "... bastante forte e resoluta a enferma mostra-se animada e encoraja o seu esposo, que não a tem abandonado um só instante.. São seus médicos assistentes, os srs. Jorge Gouveia e Simões Courreia, que constataram dois ferimentos, um de entrada e outro de saída do projectil. ............................................................................................................................... ... E o Congressista (Senador I. do Brazil) mostrava-se surpreso com os tristes sucessos de que fora vítima mme. Clarisse que pouco sae de casa e só vive praticando o bem, socorrendo aos necessitados, dando enfim, sempre que pode, expansões aos seus sentimentos de grande e altruística generosidade. "Se fosse a mim - concluiu o senador Indio que o criminoso ferisse, ou tentasse ferir, ainda se compreende, dada a situação de político militante, mas, a minha senhora, é demais! "O JORNAL" Quarta-feira, 8 de outubro de l9l9

Teve já o seu triste epílogo, o impressionante crime de que foi theatro o movimentado canto da rua dos Ourives com Ouvidor do qual foi vitima a esposa do Senador Indio do Brazil.
Conquanto apresentasse, até a tarde, sensíveis melhoras, ao anoitecer teve aggravado o seu estado, e d. Clarisse veio afinal a falecer.
"O tachygrapho do Senado, Mario Teixeira Coelho, o criminoso, recolhido, ainda, ao xadrez da delegacia do 1o districto, como já na vespera succedera, continua indiferente ao homicídio praticado, recusando-se a fazer quaesquer declarações sobre o seu acto.
A primeira noite de enxovia, passou-a Mario, agitado, quasi não conseguindo conciliar o somno. Pela manhã, entretanto, um outro facto, ainda, surgiu, surprehendendo a policia do 1o Districto. A um canto do xadrez a que estava recolhido, Mario Coelho, tentou contra a existencia, lançando mão de seu proprio suspensorio, com o qual pretendeu enforcar-se. ........................................................................................................................ ...Quando (sua esposa) Alice soube do destino de Mario, ficou desesperada. Era acudida pela sua idosa criada e pela vizinhança que apiedada de sua situação, tudo fazia para ajudá-la. Receberam a visita do Delegado do lo Distrito que soube ser Mario Abreu Teixeira Coelho, quando no seu estado normal, um exemplar esposo e chefe de família."
O JORNAL - O DEPOIMENTO DE UM DESCONHECIDO"O Sr. Santos Netto ouviu na delegacia do lo Distrito o capitão do Exército Francisco Jaguaribe de Mattos, que conhece, há muito, o criminoso, desde o tempo em que foi este alumno da Escola Militar. Affirmou aquelle oficial estar convencido do desiquilíbrio mental de Mario, que, ultimamente, era dado ao vicio da embriaguez, circunstancia essa que tornara desregrada sua vida.
Acrescentou o depoente que, por varias vezes tentara fazer Mario voltar ao bom caminho, tendo ate tratado também delle, durante um tempo, o seu próprio pae, o clínico sr. Jaguaribe.
O JORNAL - UMA CARTA DA ESPOSA DO HOMICIDA'"D. Alice Teixeira Coelho, a infortunada esposa do criminoso, a despeito de sua grave enfermidade, dirigiu, hontem, à sra. Indio do Brazil, uma carta de supplica, concebida nos seguintes termos: "7 de Outubro, 1919
Exma. D. Clarisse Indio do Brazil. Minhas sinceras visitas, pedindo a Jesus e a Maria Santíssima o seu breve restabelecimento. Venho com meu filho, de joelhos aos vossos pés, pedi-lhe que perdoe meu marido, que lhe feriu hontem, elle, coitado: é um irresponsável, doente debaixo da ação da cocaina.
Espero do seu bom coração, que a senhora e seu Exmo. Marido perdoarão o meu infeliz marido, elle lhe feriu como feriria a mim, (antes fosse) ou a qualquer pessoa. Não vou ahi pessoalmente com o meu filhinho, lhe pedir, porque, infelizmente, estou entrevada com rheumatismo há 8 mezes. Hoje, cedo, já escrevi ao Exmo. Conego André Arcoverde, pedindo que intercedesse junto da senhora, e do seu Exmo. Esposo, em nosso favor. Mais uma vez conto com a sua benevolência, em perdoar esse doente.
Sempre às suas ordens. ALICE TEIXEIRA COELHO
Rua Lafayette, ll, Copacabana
Quando o mensageiro chegou da parte do Cônego Arcoverde, com o bilhete de Alice, Clarisse já entrava em estado pré-comatoso. A casa de Saúde São Sebatião e o seu quarto estavam repletos com seus amigos. Sua irmã, D. Annita, que não a largava, e seu marido Indio do Brazil que chegou a oferecer suas veias para uma transfusão de sangue afim de compensar a fatal hemorragia, causa de sua morte, estava ajoelhado ao lado de sua cama, em prantos, enquanto ela passava a mão sobre seus cabelos.
O mensageiro lê o bilhete de Alice, em voz alta - o pedido de perdão para o criminoso. Usando o seu último alento, Clarisse se dirige ao marido: "Perdoa, Coração !"
- E, hontem mesmo, foi o cadáver da desditosa senhora, transportado para a residência de seu esposo, onde será procedida a necessária necropsia, por médicos legistas. -

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IMMACULADAEsther Ferreira Vianna
Para a alma muito branca de D. Clarisse Indio do Brazil E a alma de Clarisse', Em ultima expansão, Pedia com meiguice - Perdoa - Coração!
A arvore frondosa Produz o alento e a vida, Na fructa saborosa, Da propria flor nascida.
Nós somos fructo e flor, - Fatalidade ou morte. E a vibração do - Amor - É o nosso alento forte.
Si a alma é bem formada, Perdoa, terna e santa E altiva - Immaculada - Em tudo se alevanta.
E a alma de Clarisse, Em ultima expansão, Pedia com meiguice - Perdoa, Coração!
Porque, na sua alvura, O lyrio é, no lyrial, O que a alma é, quando pura, No engaste celestial
Nossa alma, branco lyrio, Si é forte em sua fé Na gloria ou no martyrio, Espalha o bem e cre!
E cre, serena é pura Em plena luz, sem véo, Exalta a creatura E faz da terra um céo!
E a alma de Clarisse, Em ultima expansão, Pedia com meiguice - Perdoa - Coração !
(25 de Janeiro de 1920)

A morte de Clarisse Indio do Brazil (continuação)

UMA CARTA DE COELHO NETO
Meu Amigo,
Se o sol, quando tramonta, desparecesse de todo, o mundo pareceria gelado. O calor do astro, sob a cinza da noite, é que mantém a vida na sua continuidade perene. Quem diz, falando de um ente extincto - morreu - nunca verdadeiramente o amou. Se na ausência entrasse o esquecimento, andaríamos sempre a refazer a união, porque a vida é um ir e vir constante como o das ondas. Mas para o verdadeiro amor o tempo é como o infinito, que não se mede, e nelle vale tanto um minuto como as eras. O amor, na sua verdadeira significação sublime, é o sentimento absoluto e, como sentimento, é alma sendo, por sua origem, immortal. O que se quebrou na pedra do sepulcro foi o vaso da perfeição; a essência, essa, impregnou-se-te n'alma, fundindo-se, para o todo sempre, no teu próprio eu. Quando a ouvias nas suas palavras carinhosas; quando lhe fitavas o olhar em que se reflectiam as virtudes, não era o vulto de mulher que te encantava, a forma humana, airosa como o lírio do Evangelho, mas o espírito, e esse não teve o túmulo porque sua voz ficou no teu coração, o seu olhar fixou-se em tua alma e, onde quer que estejas, no silencio ou no rumor, na claridade ou na treva, hás de ouvir a harmonia meiga que se abemolava para acariciar teu nome, hás de ver a luz doce que irradiava como a aureola da tua vida. Assim, ella vive e, mais do que nunca, comtigo, não mais em tua companhia, como tua sombra, mas em ti mesmo, como tua alma. Deus, quando nos assoprou o seu Espírito, deu-nos um pouco de eternidade e essa partícula divina, que em nós temos, chama-se memória.É como um ramo de folhas sempre verdes em que se abre a flor immarcessivel da saudade cujo perfume é um filtro que nos transporta ao Passado e ressuscita os mortos. Antigamente ella vivia num corpo e só te apparecia quando estava presente. Hoje ella vive em tudo que te cerca: a tua casa, o teu coração, o espaço, as horas todas estão cheias della. O mundo tornou-se todo elle um espelho em que ella se reflecte e, onde quer que teus olhos se fitem, ahi verás a imagem adorada que te acompanha, como o próprio Deus omnipresente. Choral-a! Porque? Nas lágrimas desfazes o coração, que é o seu relicário e, gotta a gotta, vais diluindo a lembrança, que deve ser perpetua. Conserva-a na saudade, e quando, nos teus êxtases de esposo enamorado, quizeres vel-a, volve sobre ti mesmo, olha para dentro de ti e hás de descobril-a fazendo na morte a caridade amorosa de consolar-te como na vida - e não foi outra a sua missão na terra - mitigava piedosamente as dores dos pobrezinhos. A imagem rolou do altar, mas a fé subsiste. Eleva o coração, meu amigo, eleva-o bem alto, até Deus, e lá verás, no esplendor ethereo, aquella que foi o amor, a doçura, o anjo do teu lar.
Coelho Netto
Uma casa vazia após a morte
Após a morte de Clarisse, seu marido caiu em terrível prostração. O chefe de Policia autorizou a remoção do corpo para a residência da falecida, a fim de que fosse feita a autópsia.
Ruth, a afilhada e filha adotiva, sentia grande falta da madrinha. Em tardes belas e ensolaradas, Clarisse dizia: "Vou sair com meu "Porte Bonneur" - e vestia Ruth com roupas vindas do Japão e numa caleche puxada por éguas argentinas, ela desfilava com aquela boneca oriental.
Arthur estava ensimesmado e triste. Em suas mãos, tinha uma carta do Vaticano: "La Santitá di Nostro Signore Benedetti P.P. XV si é dignata di conferire la Croce Pro Ecclesia et Pontifice a Dona Clarisse Lage Indio do Brazil autorisandola ad ornarsene il petto nei modi di uso. Dal Vaticano, 3l Ottobre l9l9 Il Cardinale Segretario di Stato - Pietro, Cardinale Gasparri".

Em muitas homenagens, uma carta que parece uma jóia estava ao seu lado, na mesa de escritório - me lembro dessa mesa: tinha um relógio com mostrador de porcelana ornado de flores, as gavetas com puxadores de bronze, eram leões com argolas na boca e toda ela que era de madeira mogno, recoberta de macio couro - o mata-borrão de tartaruga ornado de florões de prata - o tinteiro, bela peça em prata: mas havia, um outro de sua predileção: um bloco de cristal com tampa de prata com um poema de Lamartine gravado de Clarisse para ele e embaixo da tampa, ele gravou para ela a resposta em francês do poeta Richepin: "Te amo, te amarei sempre porque o amor está na alma e a alma não morre nunca".
Em 30 de Dezembro de 1919, chegou a MEDALHA DA RAINHA ELISABETH DA BELGICA
Royaume de Belgique
LE MINISTRE DES AFFAIRES ETRANGÉRES a l'honneur de faire connaitre à Madame Indio do Brazil, que, pour reconnaitrele devouement dont elle a fait preuve dans les ouvres de guerre, il a plu au Roi de lui conférer, par arreté en date du 22 novembre 1918, la Médaille de la Reine Elisabeth.

A morte de Clarisse Indio do Brazil (Conclusão)

A morte de Clarisse Indio do Brazil (Conclusão)
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O Senador Arthur I. do Brazil cedo deixa o Senado e continua velando pela educação da afilhada Ruth - que não freqüentou nenhum colégio da época. Todos os professores vinham em casa, e era uma moça prendada em tudo o que exigiria uma refinada educação. Falava francês, inglês, conhecia literatura universal, bordados finos, piano, canto. Arthur I. do Brazil foi condecorado com as principais comendas de um homem político e dedicado a assuntos que correspondiam à vida da nação.
Fora ele o encarregado pelo Imperador D. Pedro II a verificar a passagem do planeta Vênus pelo disco solar; aliás a astronomia era uma de suas predileções.
Arthur I. do Brazil recebera entre muitas comendas a de Simão Bolivar, a Comenda da Rosa, o Tesouro Sagrado do Japão das mãos do Imperador pai do imperador Hiroito.
Ruth, que tinha nove anos por ocasião do falecimento de sua madrinha Clarisse, agora era uma moça alegre, praticante de natação e adorando dançar nas festas da sociedade. Seu relacionamento com o padrinho Indio era de grande afeição, pois ele deixava que ela desse seu o nó na gravata quando saía para lanches na Confeitaria Colombo e a lágrimas sentidas, quando Arthur lhe recriminava com sua voz aos gritos. Mas, educada fora para representá-lo em acontecimentos que ele já não tinha tanto prazer em ir.
Todos os pedidos para uma viagem à Europa foram negados, pois Arthur (Tuca, como ela o chamava) temia que ele morresse estando ela ausente.
Arthur Indio do Brazil partiu quando Ruth tinha 22 anos. Fizera o político testamento minucioso que fora publicado em jornal da época. Nomeara mais de três tutores para a afilhada, do que nada adiantou: o marido de Ruth afasta-a de todos que com ela conviveram e ela viu-se afastada da sociedade, levando uma vida simples de moradora em grande casa em Ipanema.
A casa onde comecei a despertar para a vida, era grande e eu não tinha noção de que vivia em meio a um requinte de objetos valiosos de que só agora recordo atônita.
Nasci em l934, no dia da morte de Clarisse I. do Brazil - 7 de Outubro. Logo foi decretado que meu aniversário seria transferido para o dia 8 para poder ser festejado. Eu recebia os parabéns de minha mãe no dia 7 e íamos, ela e eu levar lírios ou copos-de-leite para o seu túmulo de Clarisse.
Arthur I. do Brazil construiu para Clarisse o Taj Mahal brasileiro. É um túmulo todo construído de todos os mármores, vitrais e bronzes estrangeiros - nenhuma peça do Brasil. Seu exterior é do mármore vermelho de Verona, a terra dos amantes famosos Romeu e Julieta. Tem duas janelas de vitrais representando Clarisse cercada de anjos em ascensão aos céus. A cúpula é de bronze dourado, assim como a porta com grades douradas representando a folha de hera, símbolo do amor deles - "Onde me apego, eu morro". Dentro, é todo em mármore bege, rosa e branco. O túmulo do meio é de mármore bege sustentado por colunas de ônix verde do Marrocos.
Além do túmulo do meio, existem mais três que são: sob o altar consagrado ao Espírito Santo, estão os ossos de D. Delphina, primeira mulher de Arthur. Dizia minha mãe que foi a extrema dedicação à Delphina que o encantara aos olhos de Clarisse. Arthur já se casara com Delphina tuberculosa. O casamento durou seis meses, com Arthur empurrando-a numa cadeira de rodas. De Delphina, tenho apenas um retrato esmalte de uma mulher magra, de grandes olhos e os cabelos em tranças grossas rodeando sua cabeça como um diadema.
Os outros túmulos são de Alfredo, seu irmão, que morreu de febre quando serviu como engenheiro na construção da estrada Madeira-Mamoré; e seu pai, Capitão Tito Livio.
Ruth morreu com 59 anos em Outubro de l969, deixando-me com 37 anos de idade e mais dois irmãos casados.
No seu enterro, fiquei na capela recebendo os que lhe vieram trazer o seu adeus; não assisti a exumação do corpo de Arthur, assistida pelos meus dois irmãos Jose Arthur e Luiz Eduardo. Contaram eles que, ao abrirem o túmulo, e sob os ossos de Arthur, havia uma placa em bronze com a inscrição de que era proibido tocá-la, pois encobria o corpo de Clarisse em caixão de chumbo, o que me leva a crer que ela foi embalsamada - sei que foi enterrada vestida com o habito das irmãs clarisses. Triste fiquei por não ter visto os ossos de Arthur nem os botões de sua farda - mas, ao mesmo tempo, achei que foi bom - pois nos retratos que tenho e no grande quadro a óleo na Santa Casa de Misericórdia, ele é tão bonito, com sua pele tisnada como um indiano e seus maravilhosos olhos negros - que ele mesmo, segundo minha mãe, dizia quantas mulheres se sentiram atraídas por aqueles olhos...
Fora do túmulo está um grupo em mármore de carrara, representando Clarisse confortando os pobres: é uma mulher (todos em tamanho natural) com uma criança no colo e um menino segurando suas saias - um velho tira seus amassado chapeu para Clarisse, tendo um remendo nas suas velhas calças - e o cão que se arrastou a seus pés para aí morrer, também está lá, de cabeça erguida contemplando a que fora sua dona.
Quando trouxeram o caixão de minha mãe, eu me apressei a entrar no túmulo e me esgueirando pelo canto, fiquei encostada ao altar de frente para onde ia descer o esquife; os coveiros pegaram na caixa com os ossos de Arthur e me perguntaram aonde a colocariam: - eu respondi: - "Coloquem-na aí, sobre os pés dela..."

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O ORATORIO

A casa de Visconde de Pirajá era muito grande; ficava quase na esquina da rua Farme de Amoedo.
A jóias de minha mãe eram muitas e belíssimas. Eram guardadas em um cofre de ferro numa penteadeira de mogno. Seu boudoir constava de um grande espelho em prata dourada, assim como assessórios em espelho de prata, cofre de prata, vidros em cristal vermelho com tampas em prata dourada e tudo o que havia de mais requintado e fino. Uma sala, onde se reuniam para ouvir piano e cantarem, era toda em aubusson de seda em moveis de madeira branca européia dourada. Havia uma grande moldura dourada sustentando uma pintura a pastel representado a Rainha Maria Antonieta sem a cabeleira postiça.
Havia uma vitrine nesta sala com uma grande coleção de marfim oriental, além de objetos de arte japoneses e chineses. Obviamente que esta sala era em estilo Luiz XVI, com seu maravilhoso lustre de cristal. O faqueiro dos banquetes era em prata e prata com ouro - vermeille.A louça era de limoges com as iniciais de Clarisse em ouro e esmalte. Um aparador na sala de jantar estava coberto de prata portuguesa, alemã e inglesa. Uma cristaleira exibia os cristais São Luiz, as taças em cristal de rocha e os cálices que Murano fabricava para os sultões da Turquia.
Comia-se em baixela comum de banho de prata e as facas eram de aço e cabo de marfim.
Mas havia uma coisa nessa casa que me era muito cara: o Oratório de D. Pedro II. Em madeira negra, da altura do chão ao teto, suas portas eram esculpidas com imagens de santos e com ágatas incrustadas - não, as imagens eram em bronze. No alto, uma cruz de madeira incrustada de ágatas. Era forrado de feltro cor violeta, na altura de quem ajoelhado apóia os braços, havia uma espécie de mesa com tampa que se abria e onde estavam guardados os livros de missa e as palmas secas dos Domingos de Ramos. Tinha um genuflexório também forrado de feltro violeta e numa reentrância embaixo, estava um grande medalhão em bronze representando a circuncisão de Jesus Cristo.
Da cruz acima, pendia uma lamparina bizantina por correntes de prata, que Ruth mantinha sempre acesa.
Houve o desquite de meus pais, minha mãe herdou casas gravadas por Arthur "nos filhos que ela porventura viesse a ter - senão, seriam da Santa Casa" - aluguéis defasados, má administração de tudo, toda essa riqueza foi-se indo... - Um dia, foi-se o oratório.
Aquele marinheiro - me deixara duas pistas para a estrada que eu teria que percorrer: na parede da sala de jantar, havia um paneau japonês, representando um pavão em tamanho natural, bordado, sobre um galho de pessegueiro e na Enciclopédia Larousse do XX Século, onde na letra I de Índio e de India - pois o Almirante Arthur inventara um aparelho de navegação - por isso estava naquela enciclopédia - havia na letra I um templo na Índia, em Madurai - UM UNICO TEMPLO - um que tem na sua frente colunas que são cavalos empinados - Thiruparacundram - o templo - que iria substituir o Oratório que eu tanto amara - um Templo dedicado ao deus MURUNGA - um filho do deus Shiva - AQUELE QUE MONTA O PAVÃO - um almirante não confunde as rotas que devem orientar os que vem após si...

AS DUAS VIDAS DE UMA MULHER

AS DUAS VIDAS DE UMA MULHER

(Recordações de uma vida passada no Sul da Índia em 1750 da Era Cristã confrontadas com a vida de uma mulher no ano de l986)

CAPÍTULO I Esta é a história de uma mulher que vive duas vidas. Hoje, agosto de l986, existe uma moça bonita, carinhosa e simpática, que toma conta de seu irmãozinho numa aldeia na floresta há uns quilômetros de Madurai, Índia. Ela acariciou o braço da turista brasileira, sorriu e perguntou preocupada o que a turista tinha na perna. A turista levantou a saia e mostrou-lhe uma joelheira, pois sofria de artritismo e a perna direita havia perdido totalmente a força no joelho. A moça foi mais carinhosa e sorriu-lhe divertida, tentando falar inglês... A turista seguiu para uma escada que dava para o pátio interno do Templo de Vishnu, mas o irmãozinho da índiana, correu e começou a subir a escada também. Mais por brincadeira e exibicionismo para as duas turistas, a moca pegou uma vara e correu atrás do menino, buscando-o nos degraus da escada. Isso aconteceu na “jungle” indiana há uns quilômetros de Madurai, perto do Templo de Vishnú, onde havia barraquinhas de palha e chão de terra. Onde se vendiam bolinhos apimentados e cheios de moscas, arroz e macarrão frito; tudo servido em folhas de bananeira sobre mesinhas toscas. Mas, há uns trinta quilômetros dali, há 250 anos atrás, na “jungle” , onde os corvos voavam crocitando, uma moca também correu atrás do seu irmãozinho, entre rindo, zangada, brincando. Era trabalhoso e distante, ir ao poço tirar água para limpar o rosto sujo de terra do menino. • Nataja! Está anoitecendo, traga o menino! • Ele está correndo, mamãe, não quer ir! A noite foi fechando, os corvos pararam de crocitar e os dois irmãos voltaram para casa de mãos dadas. Estava estipulado, desde que a moca nascera, que a mãe lhe chamaria por “Nataja”, pois o seu grande desejo era que a filha fosse baiadera do Templo. O menino foi deitado numa esteira de palha com panos; Nataja abanou-o com uma folha de bananeira para espantar as moscas e refresca-lo um pouco. Depois, cobriu-o com um pano branco, quase uma gaze, prendendo-o nas saliências da parede da casa. Aí, ela mesma foi para fora, acocorando-se ao lado da mãe, pois o calor era realmente intenso. O pai morrera, deixando as 6 crianças , mas o amor daquela mãe era tão grande, que chegavam a viver felizes. Os sacerdotes do Templo ajudavam a família com comida e o namorado de Nataja que vendia cestos e frutas, ás vezes dava-lhe algum dinheiro. A mãe tecia no tear. A rama e os fios, ela conseguia em troca de algum tecido já feito. A época da seca e das monções, eram sempre difíceis: um grande trabalho manter a água do poço controlada para as pessoas e os animais. Não tinham vacas, tinham cabras.
CAPÍTULO II
A turista brasileira não quis entrar no Templo de Vishnu que estava cheio de gente pelo chão , pois ela procurava somente os templos de Shiva. Ali perto, em plena selva, encontrou um pequeno Templo de Shiva. Os aldeões não implicaram e se afastaram para que ela visse a cerimônia do fogo. A turista juntou as mãos e orou profundamente; mesmo para o povo ver a sua humildade e o amor por eles e pelo hinduísmo. Ela era Nataja, a bailarina que gostava de corvos, que gostava de correr, amar e dançar. Agora, mais de dois séculos depois, ela ainda gostava de brincar. Fotografou o homem nu que se banhava e continuou fotografando para ver os aldeões rirem e brincarem. Há quanto tempo ela não mais ria nem brincava, mas o seu espirito infantil continuava brincalhão como sempre e a alma de Nataja se debatia pela sua libertação, pelo seu reconhecimento. Nos meus sonhos, eu sempre estava desesperada procurando alguma coisa. Dizem, que quando isso acontece, é a nossa alma procurando o corpo para voltar - e na verdade, quando encontro o que estou procurando, desperto. Não bastava para mim saber que vivera na Índia. Eu desejava o comando máximo do que pudesse de recordações de vidas passadas mas com suas vivências e emoções contidas nelas. Quem sabe se nos sonhos eu não procurava o corpo de Nataja? Chorei muito durante minha mocidade no Ocidente, Brasil. Chorava sempre e orava quase como penitência por uma maldição imperdoada. Estaria sorrindo Yogananda, meu mestre no Ocidente, por ter ele afastado essa maldição? Paramahana Yogananda, o único amigo entre a Índia e o Brasil, aquele que condescendentemente tanto me amparou nesta vida de sofrimento físico. Sobre mim estava implantada uma chama shivaista impossível de ser cortada, a não ser pela morte natural, quando então essa chama seria desligada aos poucos e reconduzida ao relicário dos destinos cósmicos, até ser novamente reimplantada no centro de um renascimento preparado para isso.
CAPÍTULO III
Saí agora, tarde de 28 de agosto de l986, para comprar carne para os cachorros e gatos e milho verde para os pássaros. Antes de entrar no mercado de beira-de-estrada, tem um deposito de frutas e legumes. Como só se encontra milho verde ali, parei e escolhi quatro espigas. O vendedor estava ensacando-as quando ouvi a música que o rádio tocava. Era uma música americana, porém triste, e somente orquestrada. Me lembrei do jovem tamil cuja presença já há dias eu não sentia. Mas não havia prometido que encontrando o Templo , eu o libertaria, não clamaria mais por sua presenca? Fiz as compras e regressei à casa. O pintor que envernizava os caibros e as telhas, já estava de saída e fui ao terceiro andar, ficar um pouco com os gatos e osdois cachorros. Alí sentada, observando os animais, pintando mentalmente na tela do ceu crepuscular do Brasil uma paisagem da India , sentí o cheiro de suor do corpo de Nataja, misturado ao perfume das flores e especiarias; do cardamomo, do caril, do jasmim.
CAPITULO IV
Como os animais que se recolhem pela chuva ou pelo calor excessivo, Narendra aparecia nas salas do Templo, com seus grandes olhos de felino que observa na escuridão... Era bonito esse rapaz, magro, ágil, cabelo sempre revolto e sujo de poeira, as pernas nuas com o pano do doti preso à cintura e repuxado entre elas - a camisa aberta, o peito nu e suado. Na cintura, onde tinha amarrada uma cordinha de fibras, estava presa uma faca - pois ele lidava com frutas e cocos - e a faca estava sempre suja de visgo de cortar e desbastar coisas. Ele procurava por Nataja, a mulher cuja sensualidade se ocultava na basta cabeleira solta e caida abaixo da cintura.; mas, quando a via, a um sinal dela, ele saia do Templo e ia esperá-la na floresta la fora. Narendra era pobre e os sacerdotes não viam com bons olhos seu relacionamento com a devadasi, uma vez que não poderiam esperar grande amparo para ela vindo de tal criatura. Eles, o jovem e a devadasi, não tinham restriçoes em suas relações, uma vez que seus senhores eram a selva, os animais, as flores e os frutos. Toda excitação sexual que eles descobriam era tesouro e riqueza deles e como senhores dela adornavam-se satisfeitíssimos com o seu uso livre.
CAPITULO V
As baiaderas que ali quisessem permanecer e dormir, se recolhiam aos seus cantos. Os morcegos começavam a guinchar, batendo suas asas, procurando fuga para a noite sem tochas; os macacos, seus lugares para dormir. Nataja descia as escadas do pátio, ao lado do Templo - alí, ela sabia como fazer o rapaz pular por certos pedaços do muro e dar-lhe guarida para o amor. Mil vezes, somente numa vida, o homem passa e repassa o fogo `a volta da imagem de Shiva nos seus Templos. Não é o bastante. A Lua Crescente, escondida em seus cabelos, diz que o Céu é uma aspiração incessante. Shiva clama o existir, batendo com seus pés no chão. O anão Mulaiaka geme constantemente, sob o seu peso formidavel.
Diante de mim, está um pequeno poster de uma foto minha diante do meu Templo, agora na viagem em julho à India. Olho as esculturas de pedra da entrada: o mesmo chão de terra que meus pés pisaram há dois séculos passados, os mesmos degraus, tudo agora, posso dizer, lavado pelas minhas lágrimas. Eu lavaria agora por inteiro o meu Templo com essas lágrimas. Eu fazia parte dele, eu fui deusa dele, eu crescí com ele. Sua escuridão, era o aroma que eu respirava para o meu repouso. . A mão de Murunga, filho de Shiva, desce sobre minha cabeça, o meu cortex cerebral, e deixa aí a gota seminótica de Shiva que me abrirá o terceiro olho, o Olho de Shiva, entre minha sobrancelhas. O Amor é Grande, Inebriante e Profundo. Shivam, Shiva.
CAPITULO VI
Nataja acabara de dançar; os cabelos suados e amarrados de flores e jóias. Ela sacudiu a cabeça, o corpo suado também, machucado pelos adereços e parte da vestimenta de metal. • Vou deixar minhas jóias aqui e vou dormir. Ainda desmanchou os cabelos, untados com oleo perfumado. Fez uma longa trança e só de sarong atravessou outra vez a nave da dança agora deserta e escura e aproveitando os raios do luar, desceu os degraus para a ala esquerda, onde ao lado do pequeno altar de Ganesh, estava a sua sala e de mais tres baiaderas; eram as privilegiadas e tinham um canto so para elas. Ainda, de passagem, molhou os pés na água do lago - eram só mais alguns Degraus perto da sua camara, e foi somente para tirar a poeira da dança. Estava imensamente feliz, como toda a vez que dançava. A euforia da dança ficava nela até muito tempo. Virou-se de um lado para o outro na sua cama de madeira e junco trançado. Tirou a trança de debaixo do corpo e jogou-a para além da almofada de travesseiro. • Dorme, Nataja, falou a companheira ao lado - as outras duas já dormem. • Ainda tenho a dança toda dentro de mim, como posso dormir? • Esquece a dança. • Nunca a esquecerei. Como posso deixar de dançar? • Quando voce morrer, voce terá que parar de dançar. • Não. Vou continuar dançando para o meu deus, la, onde estarei depois de morta. • Voce gosta tanto de dançar assim? • Me sinto deusa quando danço. É uma exaltação que não termina. Cada vez descubro mais do reino dos deuses, enquanto danço. Sinto que um dia vou criar uma grande coisa durante a dança - assim como um milagre, uma coisa extraordinaria, que alcançará a admiração de todos. Mas Nataja estava falando para a sala escura e fria de pedra, para o teto que abrigava somente o som de sua voz. Os animais noturnos voavam e revoavam na sua dança também de voo. Numa noite trevosa, Nataja se debateria assim - como aquelas aves, até aceitar o que ouvia das vozes espirituais, de que ela estava morta...
CAPITULO VII
MEU REENCONTRO COM O TEMPLO
Sempre que eu olhava o mapa da India, dois nomes me saltavam a vista: MADRAS e MADURAI. Decidí, que se um dia eu fosse à India, eu procuraria Madras. Por que? Não sei, mas eu me impressionava com esse nome, a ponto de ter sonhado uma vez que chegava em Madras. Madurai, eu olhava como um segredo. Ninguém que ia à India, falava em Madurai. Na verdade, todos procuram a India do Norte, por ser mais atrativa para o turismo, possuir palácios e monumentos famosos e outras belezas decantadas...e, porque ninguém sabe nada do verdadeiro hinduismo no Brasil... Mas, eu procurava um certo Templo. Estava resignada em conhecer uma “India de hoje”, porque achar um certo Templo e os vestígios de uma aldeia de mais de dois séculos atrás, além de miraculoso, podia ser incluido nas “coisas impossiveis”. Mas eu olhava para aquele nome no mapa, Madurai, e ficava cismando. Assim, falei para Lesley: Ëu gostaria de entrar na India pelo Sul, e conhecer essa cidade, Madurai”. Com escala em Colombo, entramos por Tiruchirapali.
CAPITULO VIII
Foi bom eu ter ido primeiro à Colombo, capital do Sri Lanka. Os viharas (Templos), a educação e a calma dos budistas e principalmente do povo cingales, me prepararam para a entrada na India, pois a essa altura, eu estava terrivelmente tensa, quase desnorteada. Quando fui deixando a costa de Colombo e imediatamente vendo descortinar a da India, não fiquei com os olhos cheios d’água nem emocionada como pensara que ficaria: não, meus olhos estavam parados e meu corpo estava se imobilizando como um animal a vista do perigo. Em meia hora, o avião abriu a porta e eu comecei a descer as escadas para pisar no solo da India.Primeiro, tive que me segurar, pois o vento era tanto, que era capaz de me derrubar. O calor, estava como o do Sri Lanka - ou pior. A poeira enchia o ar, e o aeroporto de Thiruchirapalli era uma casinhola em meio à um deserto cor-de-chocolate. Ainda encontrei terra escura num pequeno canteiro e colhi-a na mão. Foi com essa terra dentro da mão, que eu me expus à uma série de indelicadas entrevistas e revistas da minha mochila e do meu passaporte. O homem que me levou para um interrogatorio separado, era belo e simpático e a mulher que estava pronta para me revistar, também era bela e simpática. Perguntaram se eu levava pedras do Brasil. - Na hora nem me lembrei: pedras do Brasil- alguns brilhantes, águas marinhas, topázios, berilos, turmalinas - contra os rubís, esmeraldas e safiras da India! Depois que eu disse que vinha por motivo religioso, me deixaram em paz. Enfim, as ruas da India! Ruas e estradas bem asfaltadas, e diga-se de passagem, bom asfalto, não esse do Brasil, cheio de rachaduras, calombos e buracos. Nada do número assustador de mendigos pedindo esmolas e nos rodeando, de que tanto me falaram que encontraria na India. O hotel era pobre e sem conforto (porque eu estava com pouco dinheiro, alem do que estava pagando a viagem da minha amiga e guia, Lesley). Suspirei... Tinha a certeza, de que alí, naquele país, há 250 anos atras, eu havia sido muito pobre. No dia seguinte, fomos à um Templo de Shiva escavado na rocha. Só conseguí subir 200 degraus e desabei de cansaço. O Templo era tétrico, os santuários escavados na rocha, negros de fuligem das lampadas de gordura e fogo. Esse Templo não era acolhedor e para meu primeiro impacto com a India, eu só aspirei à uma coisa: sentir o poder de Shiva: não podia, como ocidental penetrar no santuário sagrado. Quando passei por uma escavação na rocha, onde estava um linga negro e grande com um pano roxo rodeando sua base, apontei-o para minha amiga através da grade que o isolava: olhei instintivamente para trás e percebi a atitude nada amistosa de quatro hindús que estavam sentados às nossas costas. O Linga, é o “fallus”sagrado de Shiva - seu órgão sexual, símbolo de sua energia criadora e renovadora . É o símbolo de Shivs, como a cruz é o símbolo de Jesus. A familiaridade com a atmosfera shivaista me atingia e transformava, mas eu tinha que manter várias atitudes: de disfarce da emoção para com a minha amiga, de defesa para com os tamines nativos, de “fingimento que era uma turista”. Tudo isso me emocionava e me entristecia profundamente, além do mais de que minha amiga não se simpatizava muito com o povo da terra... Visitamos um templo de Vishnu, caiu a noite e fui gratificada com uma procissão shivaista, com os homens à frente batendo tambores e as mulheres atrás, dançando e segurando pratos de metal com fogo aceso. Eu queria sorrir para eles como Nataja, mas estava esfacelada por dentro. Eu comia a comida da India, desde o café da manhã, até a água, tudo. Eu poderia me transformar em Nataja ali, de um momento para o outro, mas tinha que fingir constantemente e isso me dividia e, ao mesmo tempo que eu “matava as saudades”da India, eu me entristecia enormemente... No dia seguinte, pegamos um taxi num antigo carro ingles Ämbassador”e percorremos os 120km até Madurai.
CAPITULO IX
Eu procurava um certo Templo. Um Templo que tinha para o lado oeste, um alpendre com colunas, e no qual eu me quedava à espera de um homem que vinha por uma estrada que subia uma colina marrom - que era vista sobre o muro de fundo do patio. Quando eu divisava o rapaz na estrada, eu corria, procurando um lugar para o encontro. A estrada para Madurai, era bem asfaltada, bem conservada e percorria campos de cultivo. A seca se fazia ver, como um terror. Leitos de rios largos, quase totalmente secos, só deixando umas poucas poças de água, em que mulheres lavavam roupas. Eu tinha uma pena enorme dos animais com a língua pendente, bois puxando carroças, cachorros. Não via charcos em nenhum lugar onde pudessem matar a sua sede. Há seis meses não chovia no Deserto Tamil Nadu. Muitos templos pequenos, encostados nas montanhas baixas, ao longe nas Planicies. Outros, à beira da estrada, onde muita gente se encostava para dormir à sua sombra. Àqueles ao longe, nas montanhas, minha amiga me dizia: Se voce achar algum parecido com o seu templo, avise, que a gente vai la ver. Mas naquela viagem, à 50 graus de calor dentro do carro, em que a sede havia tomado conta de mim totalmente, o cansaço, o “stress” da emoção recalcada, não permitiriam que eu saisse daquele carro para ver qualquer templo e além do mais, ainda não tinha localizado nada parecido. Acabamos por parar numa aldeota, das muitas à beira da estrada, cheias de pequenos bares construidos de madeira e palha entrançada, de garrafinhas de refresco e outros petiscos e nos quais, absolutamente, ninguém apresentava cara de drama nem de seca e os camponeses continuavam, sob o calor implacavel, a estender o grão para descascar no meio das estradas, sob as rodas dos carros. Muitas mulheres andavam sem blusa, só com o pano do sari jogado por sobre os seios e os ombros. Lesley inquieta, saltou junto com o motorista do carro, mas eu não quis sair. O povo da aldeia rodeou o automovel para me ver e isso me irritava, porque eu fazia parte deles e não queria ser olhada como turista ou estranha. O chofeur veio com refresco de manga - mengo - que tomei, mas que em nada saciou minha sede. Ficamos num hotel, filial do mesmo em que nos hospedamos em Tiruchirapali - banheiro velho, camas sem lençol para cobrir, ventilador girando no teto. Ali, a comida apimentada já começou a mexer com meu organismo e eu fui mudando-a, pois o calor e tanta pimenta, acabam com qualquer brasileiro. A gente aqui no Brasil come pimenta, claro, mas no almoço. Agora, la, já se começava o café da manhã com a cara enfiada em pimenta e curry. Mudei para ovos, chá, torrada, coalhada, gi (manteiga clarificada) -Lesley não comia gi, mas o leite da India foi o mais gostoso que já tomei em toda a minha vida.; banana, geléia, arroz com legumes - por ai a fora. As mulheres gostavam das baiaderas dos Templos? Talvez sim, pela veneração de que eram servas dos deuses, do Templo. As devadasis, as bailarinas do Templo, eram mulheres livres. Podiam Ter os amantes que bem entendessem, mas não eram obrigadas a casar. Eram esposas dos deuses. Eram privilegiadas; graciosas, enfeitadas, instruidas, donas de si mesmas, acatadas.
CAPITULO X
Continuando o capitulo sobre as devadasis, houve tempo em que eram obrigadas ao preceito de virgindade e se quebrassem os votos, as esperavam castigos terriveis. Ainda hoje, existem as devadasis. Até tenhop um video gravado sobre as devadasis de uma aldeia muito pobre, onde é adorada uma deusa pouca conhecida. Ás vezes é até muito conhecida, pois as divindades mudam de nome conforme a região na India. Exemplo, é Parvati, shakti do deus Shiva, que é conhecida também pelos nomes de Durga, Kali e Meenakshi em Madurai, onde lhe é consagrado o maior templo do Sul da India. Na região onde ainda existem as devadasis, há uma historia interessante: na procissão ao templo da deusa onde elas servem, elas caminham nessa procissão, acompanhadas de seus amantes. Uma devadasi, despertou o interesse de um homem, e, ele sabendo que se ela casasse, não seria mais devadasi, ele se propos a lhe pedir em casamento, no que ela aceitou. Mas Nataja me lembrava uma mulher livre. Ia e vinha do Templo à sua casa, quando queria. A vida no Templo não se assemelhava `clausura, e o contato com o povo era livre. O sangue de Nataja impregnou as pedras do Templo. Vimos alguns pés esculpidos nas pedras do chão do Templo. Penso serem dos deuses - Krishna - inclusive, que dizem Ter passado por esse Templo - e os tamines perguntam se a gente deseja que eles desenhem nossos pes com giz no chão. Pensei: meu sangue embebeu essas pedras, tanto quanto a lembrança dos pés... correu por entre as pedras, solidificou-se e escondeu-se não sei onde, num lugar onde a água o atingiu jamais e creio mesmo que nunca o limparam em respeito à vida que tão tragicamente dali se evolou. Acredito que este sangue ainda esteja la, onde a pedra é mais escura e ninguém sabe porque... . Ele estava la, nas pedras dos altares, nas frias pedras, nos lugares escuros, me esperando, me esperando... Como eu prometera, fui buscá-la. Depois de conhecer alguns templos em Madurai, e recordando que o meu ficava numa aldeia fora da cidade, perguntei aos chofeurs se não havia um templo dedicado ao culto de Shiva, meio construido na rocha e fora da cidade. Disseram que sim, e me levaram lá, há uns 8km de Madurai. Logo que chegamos, vi sua torre coberta por esteiras de palha, afim de serem conservadas melhor suas esculturas, Andaimes de bambu, sustentavam essas esteiras. Logo que o vi, um aperto no meu coração me intimidou. Quando caminhei por sua nave principal, o chão sujo de escrementos de morcego e pombos, cusparadas vermelhas de betell me senti em casa e senhora dali. É incrivel a sensação da volta à velha casa... O fantasma de Nataja estava cansado de me esperar: eu lhe havia dito que vinha de avião
CAPITULO XI
É incrivel a sensação da volta à velha casa! Eu caminhava de cabeça baixa, porque tinha pouca esperança de encontrar o meu Templo... Foi então, que de repente, com a sensação de que eu era senhora daquele lugar, que erguí a cabeça e olhando a nave à minha volta, me sentí rainha de tudo aquilo. Nessa nave, que é o Grande Mandapa, `a direita do altar de quem está de frente para ele existe uma escadinha de tres degraus que me conduziu à uma sala que em nada me era estranha; achei-a vazia, pessoas dormindo em bancos de pedra ao correr da parede também de pedra - Ah! Como essa sala havia sido linda e ornamentada no passado, com as baiadera treinando sua dança, as outras assistindo as aulas dos mestres! Também, quando estava sem aulas, era para onde eu conduzia minha mãe e as tias que vinham me ver quando eu não ia em casa - traziam com elas uma criança de um ano e pouco, que imediatamente me passavam para os braços para descansa-las do peso do bebe. Eu punha o nenem no chão e me divertia vendo-o andar:.. quem seria aquele bebê? Caminhei até um pequeno pátio na esperança de encontrar o patio que no fundo deixava ver a colina marron onde subia Narendra para me avisar que estava nas proximidades do Templo. Mas, não vi o alpendre com as colunatas, nem a colina com a estradinha; vi um muro com um acabamento recente de cimento. Vi tudo isso e comentei com Lisley: - Não era assim o pátio...mas, não sei porque, esse Templo me era profundamente familiar... Lesley me convidou para descer na outra ala do Mandapa. Ao sair dessa sala, como o altar estava aquém e em frente, os hindus estenderam os braços com as mãos abertas, com medo de eu me aproximar do altar. Fiz-lhes sinal que não pretendia isso. Ela me convidou para descer para um lago que ela via daí. Mas o chão estava tão quente, que eu não consegui nem me aproximar; e também eu não me recordava do lago... por isso fomos embora. Uma voz estava me dizendo: “Por um detalhe terás a certeza do teu reconhecimento”...... Visitamos outros Templos e o que não falta em Madurai, a Cidade do Amor, o Semen de Shiva, era Templo... a Cidade Nectar! O famoso Templo de Meenakshi, por exemplo, é uma cidadela, com várias torres - os Templos em Madurai tem as torres sobre a porta de entrada, como todos do sul da India, enquanto os outros, tem-na sobre o altar ao fundo da nave - Meenakshi é grandioso - tendo escolas e museus fazendo parte de sua estrutura templária; até uma miniatura de sua construção, toda em marfim. Um lago grande e corredores em pedra com imagens esculpidas em seus lados - aterradores e maravilhosos. Todo templo deve ter um lago onde sacerdotes e guardiães do Templo têm que se lavar antes de qualquer cerimonia. Isso, apresenta um prolongamento das cerimonias nos templos egipcios. Essa limpeza obrigatoria ao oficiante me lembra o Mahatma Gandhi que até lavagem intestinal fazia antes de uma meditação na preocupação de ter um corpo o mais limpo possivel nas preces.
CAPITULO XII
A pureza do espirito, transparece na limpeza do corpo. Desconfiai do espiritualista que não tenha asseio. Outro templo muito simpático em Madurai, está em plena selva, perto da aldeota onde se encontra o Templo de Vishnú. Esse Templo pequeno é de Shiva e o altar sagrado fica no fim da pequena e rústica nave. Alí, não fui rechassada, mas sim, o povo ainda se afastou para que eu a distancia, pudesse assistir a cerimonia do fogo, o que agradecí, orando com humildade. Depois, ali brinquei, tirando fotos do povo que ria e compartilhava das brincadeiras e também dos macacos que vinham buscar frutos em nossas mãos. Foi um passeio agradavel, esse na selva e na aldeiasinha. O faria segunda vez, ao menos para comer aqueles bolinhos apimentados em folha de bananeira, macarrão frito, e a simpatia de todos. Uma lembrança me ficara: Nataja gostava de ver os corvos voando em círculos no espaço. Até hoje quando tenho ocasião de ver urubús (os abutres do Brasil) revoando no céu fico contemplando essas volutas me lembrando de qualquer coisa... No Sul da India, não sei se Norte é assim, porque não passei de Madras, os corvos abundam. Eles croscitam o tempo todo e o amanhecer na India se faz anunciar Pelo croscitar deles, aos milhares. Os corvos antram pelas janelas dos quartos dos hotéis, se voce oferecer à eles iguarias, como as geleias do café da manhã. Já estão tão acalmados e desprevenidos de qualquer ameaça, que se deixam fotografar em close; como os fotografei. O corvo não é de todo preto, tendo um desenho muito bonito; o seu pescoço é cinza escuro, o que faz realçar o preto das asas. O bico é recurvo na ponta e o olhar, inteligente. Na cobertura do hotel em Madras, onde tomávamos o café da manhã, os corvos passeavam sobre o muro, saltavam no chão, comiam pedaços de bolachas ou geléia, tudo o que dávamos à eles. Contudo, olhando essas aves, não podia deixar de associar à elas os versos de Edgard Alan Poe: “Never more, never more, never more.. “Nunca mais, nunca mais, nunca mais...
P.S. - o corvo que vi na Alemanha, posado num galho em deriva no Rio Reno, era negro. O que no Egito, posou num mastro de bandeira diante da janela onde eu fazia o dejejum num hotel, tinha mais cinza espalhado do que a cor negra....
CAPITULO XIII
Desde o dia em que visitei esse Templo, há 8km da cidade e meio construido na rocha, que Lesley me achou triste e estranha. Por isso, ela disse: “Vamos voltar àquele Templo; Desde que você foi lá, não és mais a mesma.” Voltei no meu ultimo dia em Madurai ao Templo. Foi antes do almoço e era Domingo. Fomos muito cedo para que eu pudesse descer ao lago porque, naturalmente as pedras não estariam tão quentes. O taxi desta vez, foi o velho “Ambassador”, que a India atualmente fabrica. O chofeur, para agradar às ocidentais, colocou no seu toca-fitas, uma fita de Rock. Cheguei assim, diante do Templo consagrado ao deus Murunga, um filho de Shiva, onde vivera hà 250 e poucos anos atrás, pela ultima vez, com toda a poeira levantando, o Sol se aproximando das onze horas, o carro tocando uma música moderna. Tirei os sapatos e deixei com guardador. Atravessei o caminho de terra poeirento e cheio de pedrinhas que me faziam doer os pés. A fachada do Templo estava toda coberta de esteiras e bambúm, como sempre, em serviço atual de conservação. Atravessei a porta: sempre as portas dos Templos de Shiva em Madurai, têm atravessadas na soleira, duas traves de quase um palmo de altura no chão. No corredor-alpendre da entrada, no lado esquerdo de quem entra no Templo, os macacos lá estavam pulando como sempre e eu preocupada com o alimento deles. O elefante adolescente, que tirava moedas das mãos dos turistas e passava a tromba em nossas cabeças, também la estava, do lado direito da porta de quem entra no Templo, no corredor-alpendre; Porém, todo pintado e endomingado. O fakir sentado no chão, cuspindo fogo da boca, fazendo advinhações com os búzios no chão; buzios esses conhecidos por mim do Brasil, os mesmos que os africanos antigos escravos, até hoje, fazem advinhações em minha terra. Os morcegos guinchando entre as traves do teto, os pombos arrulhando; esse Templo, é o único que suporta animais em seu interior. Todo o Templo murmurava baixinho... “Nataja...”só eu que não ouvia... Caminhei outra ves sobre as pedras da grande nave, sobre as pedras do meu túmulo secular... E desta vez, fui direto a ala esquerda do Templo. Lesley me ajudou a descer os degraus de pedra e eu chegueià um alpendre com colunatas, do qual eu divisava o muro que circundava o pátio e lém dele, via um morro pequeno e marrom, riscado por uma estradinha. À esquerda, estava o lago, o lago do Templo, do qual eu não me recordava. A lembrança mesmo, era do alpendre, do morro e da estrada, que estavam lá, cobertos pelo sol terrível do mês de julho do Sul da India, em meio ao povo tamil, no silencio de quem um dia partira dalí tabém à tarde, quando toda a neve do Templo estava limpa e enfeitada para a dança em homenagem à familia de Shiva. Teria sido num Domingo também? Agora, acredito que sim.
CAPITULO XIV
Eu não me cansava de apontar a Lesley as colunatas, o morro, o muro do pátio. Depois, vi um pequeno altar dedicado à Ganesh à direita, e, com os olhos cheios de lágrimas me dirigí para lá e comecei a arrancar alguns fios de cabelo e colocá-los numa bandeja de bronze sobre uma mesinha na parte da frente do altar de Ganesh. O sacerdote ia e vinha do altar ao corrimão onde o povo podia se chegar. Eu queria por inteira me imolar naquele altar, de tanto amor e saudade. O sacerdote que oficiava uma cerimonia, soprou numa trompa da qual tirou um ruido clamoroso e surdo; o lamento da comunhão, do incenso, da temporária fusão com o deus. Depois de soprar a trompa, o sacerdote pegou um prato de bronze com cinza e trouxe-o até a mim, onde coloquei a ponta dos dedos e tracei o sinal de Shiva na testa. O sacerdote notou o sinal, aprovou com a cebeça, voltou, subiu os degraus do altar de novo e voltou com uma bandeja com fogo e um alimento de cor cinza e branca. Aproximaram-se tres mulheres, o sacerdote deu a comunhão à elas e me deu tambèm - ó glória das glóriaas, do alimento de Shiva. Comi-o e notei que havia nele pequenos pedaços de cana de açucar. Depois, afastei-me de mansinho, muito emocionada. Fui chamar por Lisley para uma mesa onde comprei estampas com a imagem de Murunga e Meenakshi. Também Lesley que estava com todo o dinheiro, deu-me moedas para dá-las aos tres santos homens que ali estavam com roupa cor de açafrão. Eles perceberam minha emoção e ficaram contritos. Comecei a me dirigir à nave principal, no andar acima, subindo pelo caminho de pedra onde no começo, perto do altar, vi entalhados os misteriosos pés. Um anãozinho, vestido com um dolman vermelho e enfeitado, passou a me acompanhar falando, falando - mas, era na língua tamil e eu nada compreendia. Ele não se importava que eu chorasse, naturalmente queria algumas moedas... Na verdade, eu não queria saber da história do Templo, queria guardá-lo e ama-lo só para mim. Na nave principal, diante do altar, chorei muito, mas não chorei tudo o que queria chorar - porque não teria explicação para os que me olhavam, por estar a faze-lo. O Templo estava tão velho, tão desgastado, tão sujo... Olhei o teto, por olhar - mas dos mandalas que eu vi, justamente o que estava sobre a minha cabeça, como a posição que ele fica, sobre quem está diante do altar principal (dedicado a vários deuses), parecia imenso lotus desabrochado, o próprio Sahashara .
CAPITULO XV
De “Max-Pol Fouchet - LÁRT AMOUREUX DES INDES”- pg. 97: “No alinhamento da massa central, à alguns metros de distancia, se destacam as ruinas de dois outros edificios de menos importancia: à leste, um Natamandira, pavilhão destinado às festas; como mostram seus muros repletos de dançarinas e músicos, ...“ pg. 131 - ... “O shikara do santuario se apresenta ele mesmo como uma união de shicaras menores se sobrepondo uns aos outros formando até o alto, a cumieira. Numa arquitetura presa à restritos canones, tais formas devem corresponder à intençòes simbólicas. Se os primeiros soberanos Chandellas foram vishnuistas, seus sussessores vieram a ser fervorosos adeptos do Shivaismo: donde se conclui que seus santuarios evocavam o Monte-Kailasa , morada e magnifico trono de Shiva. A estrutura longitudinal é mais diversificada que nos edifícios de Orissa. O templo de Lakshmana compreende: um pórtico (ardha-mandapa), espaçoso, o teto ricamente esculpido; uma sala de assembleia (mandapa); uma segunda sala, de dimensões maiores (maha-mandapa); um vestibulo (antarãla), que conduz ao santuário (garba-griha) circunscreve uma elevação altar (pradakshina-patha)”. O “meu templo” depois dos degraus da entrada, tem uma galeria transversal, como se fosse um pequeno mandapa e depois de dois ou tres degraus vinha o grande mandapa com o santuario ao fundo. Após o santuario, uma escada de pedra conduz ao corpo longo do Templo esculpido na rocha - escada essa que so os hindus podem subir. Na ala esquerda de quem está virado para o altar do Grande Mandapa, desce-se a escada de pedra que conduz ao alpendre sustentado por colunas; aí, está o altar secundario dedicado ao deus Ganesh, um filho de Shiva.; e aí também está o lago e ao longe dele, sobre o muro que fecha o patio do Templo, divisa-se a colina marron com a estradinha, onde eu via a chegada de Narendra. “Há 8km ao sul da fronteira de Madurai, o templo aí situado é dedicado ao Senhor Subramanya e é uma das seis moradas do Senhor. Seu santuário relíquia é escavado na rocha”.
CAPITULO XVI
Ao entardecer, havia dança no Templo. O Templo era tétrico na escuridão, a grande sala iluminada por piras. As altas portas compridas permaneciam abertas, e o povo também se sentava lá fora ouvindo a música das dançarinas e o toque dos tambores. Era tétrico e sensual. As imagens dos deuses ficavam imersas na penumbra da fumaça e dos incensos. A noite favorecia a sensualidade. As jóias das baiaderas faiscavam na escuridão. As batidas de seus pés cheios de guisos acompanhavam o ritmo dos tambores e as pequenas sílabas cantadas pelos músicos: Tham Thathom Thatom Kidathak Tharikida Thom...{Natya Bhairavi - Música de Rameshnaidu} O vapor da sensualidade transpirava através do suor das baiaderas. Todo esse ritual tantrico era mantido pelas saudaçoes do chamado das trombetas, do bater dos pés, do toque dos tambores. Na dança os mudras e o corpo imitavam o movimento cósmico de Shiva: Ida e Pingala, como duas Shaktis Dançavam de um lado para outro, Energisando Sushumna que como deus, Ascendia ao Sahashara no maituna do maior Erotismo Divino.
A egrégora formada, era uma bola de energia e sensualidade e no dia seguinte, os homens sorriam e as mulheres cintilavam de beleza e alegria. Os latidos do cachorro de Nataja, anunciavam o despertar do dia. O animal saíra do Templo impelido por uma atmosfera que lhe desagradara. Enrodilhado perto da porta, ele adormecera. No dia seguinte, essa mesma porta, formada de duas seções de madeira, altíssimas, estreitas e encravadas de punhos de ferro como defesa guerreira, abria-se, puxada por dois saddhus. Nataja, com os cabelos desfeitos, trazia na mão a tijela com leite para o cão. Era muito cedo. A névoa da manhã, da terra aquecida pelo calor, ainda não se dissipara. Em breve, o Sol, espalharia o perfume das flores, para a vivencia de mais um dia.
CAPITULO XVII
MADURAI {MADURA}
Madurai, popularmente conhecida como “Cidade dos Festivais” Foi a capital do reino de Pandiyan o qual teve extensivo comercio Maritimo entre Roma e Grecia. Se bem que, Madurai fica no centro Da ponta da peninsula que é a India - não é costeira. A cidade Começou a tornar-se conhecida no décimo sétimo seculo sob os Reis Nayak que contribuiram muito para essa arquitetura adornada. O grande Templo dedicado à Menakshe forma um paralelograma De 850 pés por 750 e é rodeado por nove torres piramidais sendo Que uma das quais tem l50 pés de altura. Uma dessas principais Estruturas é o hall de mil pilares no qual grupos de figuras são escul- Pidas em pedras sonoras. Isso é uma maravilha de elaboração e exuberante imaginação. Madurai é também um centro textil famoso por sua tecelagem manual, E esculturas em madeira.
Nataja era uma criatura sensual e contemplativa ao mesmo tempo. Se ela gostava de ficar no alpendre das colunatas perto do lago, Era porque naquele recanto havia uma vista aberta e ao mesmo tempo era recluso. Nataja era como os pássaros que voam, voam, mas gostam de ficar quietos de vez em quando - correndo o bico pelas penas ou com os olhos quase fechados, em pleno relaxe... Quando a solidão lhe batia, ela caminhava até a casa da familia. Era orgulhosa de ser perspicaz, de se sobressair acima das outras, por uma dedicação ao trabalho no Templo; por seu talento para a dança, por sua interpretação sensual - sensualidade tão natural e fácil para ela... Shiva confiava nela o respeito a todos os seus animais: inclusive a serpente. Quando á noite, ela cismava de ir ter com a família, não raro, se arrepiava com o barulho ou o urro das bestas ao longe, na “jungle”. Era possível que os animais, impelidos pela fome às vezes rondassem as aldeias. Principalmente a noite. O grande gato dourado e coral, que é o tigre, a fascinava, mas ele não era tão comum assim num lugar onde a seca imperava e rareava a erva tenra para os cervos, sua comida predileta. Shiva também é representado sobre e vestido com a pele de tigre, a fera dominada por ele.
INTERVALO NO TEMPO
Olharam-se através do tempo no alpendre outra vez, mais a montanha, o espaço e o sangue que passou. Ela olhou os pezinhos marcados na pedra e ao mesmo tempo sentiu que os seus pés não estavam ali. Estava a dor, o sangue, os fios de cabelo penteados e levados pelo vento, a pele arranhada nas pedras, as lágrimas embebidas nelas. Tudo isso estava e continuava. Ela tornou a jogar tudo isso diante dele. Ele se desculpava, e dizia à ela que o Templo estava alí e que se ela se lembrava de tudo, então que retomasse tudo de que se lembrava. Ela se via sempre caminhando pela estrada: ainda não pára de caminhar por ele - para ele - por causa dele. Ele também não parara de caminhar: um na carne, outro no espírito. A estrada está alí no morro. Ninguém tivera poder bastante para desmanchá-la. Eles caminham na estrada. Por que existem pés gravados nas pedras do Templo? Porque além de serem pés de semi-deuses, a gente vive a vida caminhando: até mesmo simbolicamente. A vida é um caminhar contínuo. Na estrada que faz cansar um dia. Só que esses dois amantes, não queriam, o desaparecimento da estrada da vida. Desnorteados, um, não queria ter terminado a vida. A outra, queria continuar a morte.
CAPITULO XVIII
A BHARATA NATYA é a mais pura e antiga das danças. Ela é a dança de Shiva e era praticada nos templos do Sul da India consagrados a esse deus. Seus princípios são regidos pelos textos sagrados tidos como eles próprios revelados pela Divindade, sendo por isso que essa dança representa a atividade Cósmica dos Deuses e não somente tem a sua arte mas a filosofia dos mistérios do Hinduismo.
A Dança Oriental é livre em sua interpretação, enquanto que a dança na India é codificada e de tal forma que quase nada permite à interpretação do artista. A dança sagrada hindu consiste numa execução de movimentos, rítmo e expressões codificados no tratado sanscrito do Natya Shastra escrito pelo sábio Bharata no primeiro século da Era Cristã. É antes de tudo uma dança ritual destinada à honrar o deus à qual ela é ofertada numa linguagem reservada somente à essa divindade. A forma mais pura dessa dança divina era conservada nos templos, se transmitindo de mãe para filha pelas dançarinas sagradas, dedicadas desde a mais tenra idade à essa arte. Primitivamente, as Devadasis eram ou deviam ser virgens, recrutadas pelos sacerdotes, os brahmanes, entre as filhas do povo que reunissem as qualidades requisitadas para a dança. Eram uma espécie de sacerdotisas. Mas veio a degeneração e as dançarinas eram escolhidas mais para o prazer dos brahmanes do que dos deuses. Chegaram a ser quase como prostitutas, aceitando presentes dos homens comuns e desejando mesmo usufruir de seus favores - e de vez em quando dançando para as Divindades. Com a dominação dos ingleses na India, as ligas puritanas acharam esse costume parecido com escravidão de moças; raptos, abusos dos sacerdotes, além de sequestros e atentados à moral. As dançarinas foram tiradas de seus santuários e as danças sagradas, denunciadas então como lascivas e eróticas. A BHARATA NATYA é a dança sagrada Dos templos do Sul da India, reservada ao Culto da Divindade.
CAPITULO XIX
Na terra do Tamil Nadu, a terra quase drávida do Sul da India, brotou o diamante do Amor. Pior que o romantismo, produto da consumissão, esse Amor era imortal; não tinha lascas a perder - pois tudo o que poderia ser consumido, já havia perdido sua razão de ser. Nataja julgava que tinha preponderancia sobre Narendra. Na dança, como uma sacerdotisa senhora dos mistérios que somente ela Sabia dirigir, fechava um território onde ele imaginava não ter acesso e onde ele não tinha acesso, ele a puxaria para o abismo. Na primeira vez em que fui ao Templo, eu descí apreensiva os dois degraus (eram poucos degraus, mas eu não me lembro quantos eram), para o Mandapa ou sala principal do altar. Uma grande tristeza me invadia e ao mesmo tempo em que eu reconhecia o Templo, como ainda não descera ao lago e não constatara a vista da colina nem o alpendre com as colunas, não via um sinal dos que me ficara na lembrança, de que aquele teria sido realmente o meu Templo. Ao me aproximar do altar principal, os hindus se ergueram de onde estavam agachados e estenderam as mão como a defenderem a minha aproximação do altar. Fiz-lhes sinal de que ficassem tranquilos, pois eu não me aproximaria. Mas tudo se envolveu em sombras de saudade. A escuridão do fundo do Templo era angústia pura e a tristeza era respiração suspirando por sobre suas úmidas paredes de pedra. Orei diante do altar por parentes, pois eles me pediam em seções espíritas, que rezasse por eles - por amigos, por todos que jamais fizeramm um esforço que fosse para me compreender e serem sinceros e amigos na difícil jornada a que eu me dispusera a fazer na Terra. Eu jamais tivera coragem de recordar os últimos minutos da minha vida alí. Assassinada a faca por Narendra. Os espíritos em lugares de espiritismo que eu frequentasse, me pediam que não me lembrasse de nada para que Narendra que um dia viera numa dessas seções me pedir perdão, não sofresse mais por isso. Pouca coisa ficara: a surpresa - a tentativa de defesa, correndo para o interior do Templo, de uma dança de festa numa dessas festas de Madurai - a incredulidade de tal coisa não se consumiria, a incredulidade até o fim com a mão na garganta do golpe certeiro e da barbaridade do sangue que perdia.
A luta pela vida com os olhos arregalados de pavor, confundiu tudo - não me lembro direito quem estava lá de meus parentes, se Sucri, o irmão menor e querido E quem mais fosse... O corpo caiu um pouco alem do altar, junto às sombras e à umidade do recinto. Penumbra, as mãos tentando alcansar salvação e socorro - o sangue que corria dando a certeza de que a morte estava ali para uma jornada fantástica de lutas e sofrimentos terríveis de nova vida no espaço e na Terra. Imagino que os sacerdotes tivessem corrido para fechar a grande e estreita porta da entrada, ficando parte do povo dentro e fora do Templo. Confio que os sacerdotes em volta do corpo que teimava em reter a vida, fizessem as cerimonias da morte para a liberação correta do espírito de Nataja. E Narendra? Como o vejo, ele se apresenta jovem como eu o conheci. Teria sido morto também por alguem que tudo assistira? Imagino que o cão branco de Nataja, nada compreendendo, tivesse se quedado alguns dias à porta do Templo, aguardando a dona - imagino que Sucri, o menino de seis anos, sabendo o quanto a irmã amava o animal, tenha vindo chamá-lo para a casa humilde que ocuparam na aldeia há poucos quilometros do Templo. O cão seguiu Sucri - é o adeus!
CAPITULO XX
A VIAGEM ATRAVES DO ESPAÇO
Minha vida aqui no Brasil, foi um inferno. A infancia um pesadelo. Um irmão perverso maltratando os animais até o sadismo. Uma mãe que não ensinava ao filho as mais simples noções de bondade. Um pai que amontoava sapos em Teresópolis e depois tacava-lhes fogo para se divertir. A mãe com o desquite ficou neurótica e descontou também em cima da filha. Uma filha meio inválida, diga-se de passagem. Numa seção espírita, me falaram uma vez: “Teu sofrimento é grande demais para tua idade e teu tamanho; mas isso é luz para voce...” O meu vegetarianismo, as minhas esquisitices, envergonhavam a família toda. O cachorro que esperara Nataja à porta do Templo, já deve ter tido muitas encarnações, mas alguém a esperou mais do que esse cachorro: • Narendra, o tamil que a matara no Templo. Não, ele nunca a abandonou. Aflito, postara-se ao seu lado, abatendo com o braço invisivel, todos que magoavam a encarnação de Nataja. No Brasil, eu batera em várias portas. Paramhansa Yogananda, foi-me um mestre e amigo. Deu-me a Kryia Yoga, mas a Self Realization no Ocidente, faltou-me no princípio: o Hinduismo. É interessante assinalar, que o deus Murunga, o Subramanya, Adorado no Sul da India, tem pelo Sul, disseminados Templos, cada um representando um chackra. Contando os Templos, notei que justamente o chackra que faltava , seria o Muladara - provavelmente o chackra representado no Templo onde Nataja dançou - o que significaria a Kryia Yoga chamada por ela nesta vida... não deixar de assinalar que isto é uma simples suposição, sem absoluta certeza. Um pandit que veio da India e fez uma pequena conferencia; os filmes da dança sagrada, a Bharat Natya exibida pela Embaixada da India, uma dançarina Hindu que dançou a Bharat Natya na Sala Cecília Meireles - aqui e alí eu colhia vestígios da India. Nunca fiz parte de nenhuma religião. Nem Teosófica, nem Rosa Cruz. Absolutamente, nada. Entrei no Espiritismo por uma porta e saí pela outra: mas sempre fui muito grata ao Espiritismo. Fui muito confortada e ajudada nele. A comunidade de Krishna me fazia sorrir. Comprava incenso neles, livros, às vezes dava-lhes dinheiro sem comprar nada. Mas nunca os procurei. Eu so queria o meu Hinduismo e o meu Templo. Eu não me sentia bem em lugar nenhum, mas engraçado, que eles também nesses lugares, não me queriam. Hoje sei, que o pensamento dos antigos sacerdotes brahmanes do meu Templo e o jovem tamil me impediam de ficar nesses lugares.
CAPITULO XXI
Vaguei 51 anos no desespero, no desengano, na maldade, na saude, na doença, e na visão da crueldade para com os animais. Tomei verdadeiro horror à sítios e fazendas. Vi cozinheiras com o pé sobre as asas da galinha, enquanto esta estrebuchava no chão com a guela aberta gorgolejando sangue numa tijela com vinagre para o “gostoso molho pardo”. Vi a marca, a castração dos bois e cavalos na fazenda. Ouví os gritos dos porcos na sua matança. As caçadas. Os caminhões e os trens transportadores de gado, com os bois e as vacas comprimidos dias e dias para o matadouro. Às vezes os chofeurs de caminhão com esse horrivel carregamento, paravam na estrada e dormiam, enquanto a carga esperava alí em pé, se pisando, se mijando, se cagando, até o dia seguinte para seguir sua infernal viagem. A familia me levou para morar em Mendes 6 meses: o meu pesadelo era o matadouro, com a sua horrivel ponte de onde pingava para a rua a urina dos bois que seguiam para o matadouro. Via os veterinarios, os membros da SUIPA (Sociedade Protetora dos Animais) se refastelando em carne. Ouvia frases como estas: “- Voce não come carne? Então o que é que voce come? “- Para voce que não come carne, aqui tem peixe, camarão, bacalhau, salcicha e presunto...(!) • E o que é tudo isso, então? • Isso, o que? • Porque na minha opinião, tudo isso que voce mencionou, são restos de animais...
Agora que no Brasil existe a macrobiotica, os restaurantes vegetarianos, muitos produtos de soja nos mercados e até congelados sem nenhum produto animal, não me amolam muito; mas quando eu era adolescente foi verdadeiramente um inferno...- Chegavam a me apresentar, assim: “Aqui é a Fulana, que não come carne...” Também ouvia coisas deste tipo: • Voce vai tomar chopp? Mas voce não é vegetariana? • Na minha opinião, não mataram nenhum animal para fazer este chopp... Pior quando ouvia isto: • Aqueles hindus (como se todo indiano fosse hindu...) morrendo de fome quando teem o maior gado do mundo... • Voce foi à India? É verdade que tem muita miseria lá?
Sabem qual foi a miseria que eu vi na India? Eu entrei no mês de julho - o máximo de calor que se pode suportar num Lugar: Tiruchirapalli e Madurai - também fui até Madras. Esses dois lugares são distritos de Madras e fazem parte do deserto Tamil Nadu.
Quando cheguei, há seis meses não chovia. Os leitos dos rios secos. Em algumas poças de água, mulheres lavavam roupa e no lodo verde, os búfalos afundavam até o pescoço. Todo refresco que eu bebia nas “biroscas”de beira de estrada - e eram inúmeras, no percurso que fiz de carro de Tiruchirapalli até Madurai - refrescos de manga, água de coco, caldo de cana, laranja - ïa para o espaço” - pois entravam por dentro de mim e não faziam efeito algum: era como se eu não tivesse bebido coisa alguma. Também quase parei de urinar. Não suava, de tão seco que era o clima. Melhorei do meu artritismo. Perdi quase totalmente o apetite. Ah! Ia me esquecendo de algo importantíssimo. Na entrada de Madurai, tem um grande rio - que estava quase seco. Pois com toda essa seca onde os animais pendiam a língua de calor, o povo trabalhava sem cessar, espalhando o grão na estrada, vendendo frutas e legumes na feira.
CAPITULO XXII
Todas as ruas de Madurai estavam atravancadas de legumes e frutas. Reparei, com exceção da jaca, que eram bem menores que os do Brasil e achei alguns diferentes, como por exemplo o maxixe e a banana parecida com a banana “prata” , que era maçuda e aguada. A manga em Madurai era pequena e amarelinha, e o coco também é amarelo mesmo sem estar maduro; há uma espécie parecida com esse coco na Bahia. A jaca é bem maior do que a do Brasil - é enorme! Até uva comi na India - bem ácida, por sinal. Os banheiros dos hotéis deixavam escapar água por tudo quanto era canto. E de onde vinha tanta água? - do solo. Vi mulheres tocando sempre bombas manuais de poço e quando eu tomava banho, lambia meus braços para sentir o sal da água subterranea. Esse grande lençol d’água é que mantinha o povo durante a seca. Não vi miséria por falta de plantio; não vi fome; não vi mendigos; vi gente dormindo nas ruas, é verdade, mas não davam espetáculos de mendigos... o homem que dormia na calçada do meu hotel e tinha duas vacas que quando ele chegava, amarrava num poste e de dia, partia ele com as vacas não sei para onde... elas estavam sempre mastigando folhas de bananeira. O indiano está sempre sorrindo... talvez por achar que essa vida esquisita para um europeu tem la a sua graça e ironia... Aqui no Brasil, são inúmeras as pessoas e crianças que dorme nas ruas sob as marquises, mas não acham tanta graça assim... É verdade que o indiano de Madurai tem o vício de pedir esmolas e também são tão insistentes, que chegam a ser “chatos” por não serem orgulhosos como os pobres brasileiros e os meninos pedintes do Egito, por exemplo. O indiano é esperto e sabido. Ve o que quer, não ve o quer não quer; é carinhoso, alegre, grato, simpático e ciumento da sua religião. Voltei da India, impregnada de ciumes do hinduismo e de seus deuses. Por que fiquei isolada? Não sei. Nunca soube de alguém que tivesse ficado isolada assim tanto tempo. Nunca quis me casar. Tinha os amantes, mas queria ser livre para a qualquer momento que a India me chamasse eu estivesse pronta para ela. Isolada e a espera fiquei 51 anos. Do outro lado das brumas, Narendra aflito, lutava contra tudo e contra todos.
CAPITULO XXIII
Foi uma viagem louca essa através do Espaço, onde eu quase sem perceber fui arrebatada pela cintura, e, pelos aviões a jato cheguei a India. O aeroporto simples e nativo de Tiruchirapalli, a terra escura soprada por um fortíssimo vento, o calor indescritível da India me levava à um lugar quase como eu o deixara há duzentos e cinquenta e poucos anos atrás. Formações rochosas margeiam a estrada de Tiruchirapalli à Madurai, com rochas espetacularmente equilibradas até a entrada da cidade - cidade com grandes progressos, bons hotéis, museus, assistencia turística - simpatia, acolhimento, tudo... O templo de Nataja está maltratado pelos anos. Toda a sua frente está coberta por esteiras com armações de bambús. A torre não é muito alta e na base da torre, há uma guirlanda de esculturas e enfeites como em nenhum mais outro templo. Grande parte dele está encravada na rocha e esse apoio o aguentará por milhares de anos. É fácil ver-se, até porque encontrei em museus, pedaços dele, que esse Templo é um dos mais antigos de Madurai. O seu lago estava cheio, como os de muitos lagos dos templos da India, com exceção do Templo de Meenakshi - mas não sei se depois das monções, o lago desse Templo voltou a se encher. Suspeito que havia uma grande rivalidade entre o meu Templo e o de Meenakshi naquela época, mas acho que o meu é mais antigo apesar do de Meenakshi ser sem dúvida devido a sua imponencia, talvez um dos maiores Templos da India. Antes de embarcar para a India, eu me encontrava sempre em estado de desiquilibri, e isso acabou por me levar à estafa. Mas eu ainda não me havia apercebido de que além de tudo isso, eu estava totalmente esgotada: incapaz de raciocinar com lógica sobre o meu verdadeiro epicentro espiritual. Eu meditava, eu rezava um mantra shivaista, eu fazia Kryi Yoga. No momento desse mantra e do yoga eu readquiria o equilibrio evocando através da placenta-fantasma de Nataja, a lembrança do Templo, e isso era na verdade o que mais me ajudava. Mas, duas horas depois, eu não era mais nada e como ainda não havia constatado a veracidade da existencia do Templo, com a irritação por ter perdido esse apoio, eu ficava nervosa, insone e com descompasso neuro-vegetativo. Nas noites em que dormí na India, não sentí nada disso. Lisley tirou um retrato meu em frente ao Templo e no qual se ve, há pouca distancia de mim, a figura de tres santos-homens com seus mantos cor-de-laranja. Desse retrato fiz um poster. Enquanto eu posava para ele, intimamente pedia que naquela foto houvesse um milagre. Mais tarde olhava para ela e nada via, até que uma amiga, disse: Num corpo já não-moço, existe uma cabeça de uma jovem de uns dezoito anos... É olhando essa fotografia do Templo, que consigo recordar os rituais aí passados e cada dia minha memória através do Templo se amplia mais e eu vou ficando cada vez mais entrosada em algo que possuí há séculos e do qual agora, pouco a pouco vou me reapossando...
"O dia de Nataja, consistia em levantar-se com a Aurora, limpar certas áreas do Templo, dedicadas ao Culto, treinar a dança , estudar o instrumento de música, de cordas, estudar o Hinduismo, cantar alguns mantras, e em movimentos e posicões estáticas com o corpo deixar fluir através nele, as forcas de shakti para poder exercer a energia a sua volta e, impregnando as paredes do ambiente, fluir a forca shivaista numa posse de um todo para colocando-a adiante de qualquer gesto ou pensamento, ser um poder microcósmico tão potente quanto o mais leve suspiro de qualquer anseio emanado de seu existir na vida.
Nesse bouquet de arte, ela via enfeitar a nave do Templo, a presenca de Narendra; seu corpo magro, seu naris fino e proeminente, seus imensos olhos negros cheios da beleza do suspiro do tigre e sua boca com o comeco de todos os desejos.Ele era mais alto um pouquinho que ela, e seu corpo era magro, seco e ágil como a volta do relampago sobre o muro de pedra molhado pela chuva."
ULTIMA PAGINA
Ele me arrebatou pela cintura e me levou pelos aviões afora, naquele vôo louco pelo espaço. Seu cabelo estava pesado, oleoso, sujo de poeira e água de coco; rescendia a ranço e suor, mas eu apoiei a cabeça no ombro dele vestido com o seu dote sujo, e, descansei.Confiava plenamente de que ele me levaria de volta de onde um dia ele me arrebatara num acesso de ciúmes.Confiava plenamente e chegava a adormecer cansada. Eu respirara ar pesado no Brasil - pesado do enxofre do Inferno. Não que o Brasil fosse terra má, muito pelo contrario, terra de gente até muito boa e generosa. Mas foi o ambiente em que eu vivera, que não me respeitara, ambiente de gente geniosa, ignorante e vaidosa. Apoiada no ombro dele, sentindo sua mão escura, delicada e fina, a segurar a minha gelada, tremula e exangue eu olhava pela janela as nuvens dispersadas pelo avião.Eu olhava o espaço sendo varado pela aeronave pesada de não sei quantas toneladas, aeronave que sendo minha salvadora, eu amava de todo o coração e de toda minha alma. Ele me confortava na viagem, dizendo: "Já estamos chegando, só mais um pouquinho... "Sólo da India...Terra em que me abaixei e colhi na mão como o sangue coagulado que um dia deixei lá... Cheiro de terra da Índia, calor da Índia, perfume da Índia...
Chegando ao Hotel, ele deitou meu corpo na cama, dizendo: "descansa agora, chegamos, não precisas mais nem pensar... estás na Índia... Durma pela primeira vez, desde que nasceste nesta vida de agora; tranqüila. Dorme depressa, para que eu arrebate teu espírito e passeemos pelo jardim do Hotel... Os jasmins-mangas e os buganvilles estão floridos. Dorme, e venha vê-los comigo.
Não se preocupe com o barulho da rua... é barulho da Índia...Nunca mais coisa alguma vai te preocupar, pois nós, você e eu realizamos o total do circulo, a Grande Volta. Vencemos e somos vitoriosos sobre nossa própria Perda.

sexta-feira, 28 de março de 2008



Livre des Morts des Anciens Egyptiens - Grégoire Kolpaktchy

Os Egipcios cultivavam que, nascendo na
terra, o homem morria para o mundo do
Lado-de-La; suas potencialidades sobre-
humanas sofriam um eclipse. A morte
terrestre não era, pelo contrario, senão
um novo "nascimento", um renascimento
no espirito, um rejuvenessimento do eu
profundo. O defunto deveria ser "um
recemnascido" (Heraclito: "Os homens
vivem sua morte e morrem sua vida".
O plano onde ele emergia, após a passagem
do Limiar, este plano visionario dos Egip-
cios, é a região da absoluta Possibilidade;
nada ai é determinado, delimitado, fixado,
estável; tudo depende da lei do movimento;
e o que se manifesta, aparece sob uma mascara
simbolica (como, por exemplo, as máscaras
das divindades egipcias.)
O contato com esta "Região da Potencialidade
generalisada" desperta num defunto devidamente
preparado a consciencia da potencialidade abso-
luta inerente ao ser humano. Este foi antigamente
maleavel, plastico, mudando no infinito das formas,
cores, manifestações e refletindo como um espelho,
tudo a sua volta(os camaleões são uma sobreviven-
cia dessas longincuas épocas; a lenda grega de
Proteu releva o mesmo fenomeno pré-historico).
Após a morte, o corpo terrestre apenas eliminado,
as possibilidades do ser humano, comprimidas
durante a vida terrestre, jorram, transbordam do
enquadramento da personalidade; e o transfor-
mismo ilimitado, esta função da potencialidade
universal, se encaixa em seus direitos. O defunto
se encontra desde logo na "Região das Metamor-
foses", caracterisada por uma extrema rapidez
e variedade de transformações; e ele prova o
desejo, a possibilidade, de percorrer à vontade
toda a "gama das metamorfoses" em via de mos-
trar à ele mesmo e aos outros a riqueza inson-
davel do eu absoluto.
(De Clarisse: as grandes feiticeiras: as que podem
espiritualmente realizar essa gama
de liberdade de transformações - as que tornam
possivel na Terra, transcedir os impedimentos
terrestres, e terem até a lembrança de suas vidas
em outras encarnações)

terça-feira, 25 de março de 2008


A FUNÇÃO NO TEMPLO E O PUBLICO

A função num Templo, transforma a
dedicação do Sacerdote num ambien-
te de revelações.
O Sacerdote ou a Sacerdotisa, desco-
brem isso, e sedentos de mais desco-
brimentos, eles transformam suas
vidas em prol dos deuses.
Os frequentadores do Templo, rezam,
mas não comungam com os deuses -
acham que não têm essa obrigação.
Os parentes que visitam os Sacerdotes,
são bemvindos, pois lhes trazem o
aconchego da familia, o que é sempre
um carinho - mas não chegam à com-
preensão daquele que se comunica com
os deuses.
Os Sacerdotes ouvem uma porção de
opiniões, que nada têm a ver com o
desempenho sacerdotal, e aos poucos
se encontram num Mundo que os coloca
numa Vida segregada da existencia
cotidiana das familias.
A Sacerdotisa não é uma egoista, ela
também não é solitaria, pois participa
da matéria dos deuses.
Mas, o Mundo está dividido em Dois:
- o Mundo da Sacerdotisa é incom-
preendido pela Vida de fora, e o Mun-
do de Fora, não penetra nem em pen-
samento no Mundo daqueles que
decifram os designos divinos.
Ontem mesmo, ouvi algo parecido:
- uma amiga se referindo ao momento
dificil que passa uma conhecida comum,
disse: - A gente não condena porque tem
a Religião.
A Religião, com suas cerimonias, suas
procissões, está muito longe do paren-
tesco com os deuses.
Se a Sacerdotisa vier a se apaixonar
por um homem comum, ela fará todo o
possivel, para transforma-lo na familia
dos deuses - e ama-lo dentro desse
âmbito - se não conseguir realizar isso,
ela se afastará... - o Mundo não lhe res-
ponde mais...

segunda-feira, 24 de março de 2008


A ESTRADA

A Estrada era de terra escura, as margens
eram em trechos lamacentas, em trechos
matagal.
A Estrada conduzia do Templo ao aglome-
rado de casas de taipa, onde indianos da
casta dos artesões, teciam cestos de palha
e panos de algodão em teares.
A Devadase tinha permissão de ir visitar
os seus no aglomerado de casas de adobe.

O tigre, apesar de não ser abundante na
região, tornava perigosa a caminhada
com o surgimento da Lua.
Tudo era possivel,`aos animais esfaimados.
As vezes, antes de um animal, um ser tão
selvagem quanto eles, surgia na estrada:
da cor do gamo, a agilidade dos saltos
dos animais em suas correrias, sua passagem
pela selva, afastando os galhos que bloquea-
vam o caminho: a silhueta bela do jovem
acostumado à vida selvagem.
A Devadase esquecia o perigo, a Lua, o
tempo que fenecia na aldeia, onde os
parentes a aguardavam - e fundia seu corpo
na carne úmida pela selva, do jovem meio
animal e homem, belo em sua juventude,
fonte de energia e prazer, que a sacerdotisa
levaria aos deuses nas chamas dos altares.

A Estrada era terra de muitas Vidas:
- caminho do Templo
- Via para a reunião da familia
- encontro para o amor

A Lua que iluminava a Estrada, viu os Anos
Vindouros desmancharem a floresta rala,
apagar o Amor que foi tapete dos encontros,
isolar o Templo - isolar o Templo de uma Vida
à outra - como duas esferas de Duas Existen-
cias - impossiveis de se coadunarem, eterna-
mente Saudade à espera da Morte, outra
Estrada agora para outra familia do Espirito.