segunda-feira, 31 de março de 2008

A morte de Clarisse Indio do Brazil (continuação)

UMA CARTA DE COELHO NETO
Meu Amigo,
Se o sol, quando tramonta, desparecesse de todo, o mundo pareceria gelado. O calor do astro, sob a cinza da noite, é que mantém a vida na sua continuidade perene. Quem diz, falando de um ente extincto - morreu - nunca verdadeiramente o amou. Se na ausência entrasse o esquecimento, andaríamos sempre a refazer a união, porque a vida é um ir e vir constante como o das ondas. Mas para o verdadeiro amor o tempo é como o infinito, que não se mede, e nelle vale tanto um minuto como as eras. O amor, na sua verdadeira significação sublime, é o sentimento absoluto e, como sentimento, é alma sendo, por sua origem, immortal. O que se quebrou na pedra do sepulcro foi o vaso da perfeição; a essência, essa, impregnou-se-te n'alma, fundindo-se, para o todo sempre, no teu próprio eu. Quando a ouvias nas suas palavras carinhosas; quando lhe fitavas o olhar em que se reflectiam as virtudes, não era o vulto de mulher que te encantava, a forma humana, airosa como o lírio do Evangelho, mas o espírito, e esse não teve o túmulo porque sua voz ficou no teu coração, o seu olhar fixou-se em tua alma e, onde quer que estejas, no silencio ou no rumor, na claridade ou na treva, hás de ouvir a harmonia meiga que se abemolava para acariciar teu nome, hás de ver a luz doce que irradiava como a aureola da tua vida. Assim, ella vive e, mais do que nunca, comtigo, não mais em tua companhia, como tua sombra, mas em ti mesmo, como tua alma. Deus, quando nos assoprou o seu Espírito, deu-nos um pouco de eternidade e essa partícula divina, que em nós temos, chama-se memória.É como um ramo de folhas sempre verdes em que se abre a flor immarcessivel da saudade cujo perfume é um filtro que nos transporta ao Passado e ressuscita os mortos. Antigamente ella vivia num corpo e só te apparecia quando estava presente. Hoje ella vive em tudo que te cerca: a tua casa, o teu coração, o espaço, as horas todas estão cheias della. O mundo tornou-se todo elle um espelho em que ella se reflecte e, onde quer que teus olhos se fitem, ahi verás a imagem adorada que te acompanha, como o próprio Deus omnipresente. Choral-a! Porque? Nas lágrimas desfazes o coração, que é o seu relicário e, gotta a gotta, vais diluindo a lembrança, que deve ser perpetua. Conserva-a na saudade, e quando, nos teus êxtases de esposo enamorado, quizeres vel-a, volve sobre ti mesmo, olha para dentro de ti e hás de descobril-a fazendo na morte a caridade amorosa de consolar-te como na vida - e não foi outra a sua missão na terra - mitigava piedosamente as dores dos pobrezinhos. A imagem rolou do altar, mas a fé subsiste. Eleva o coração, meu amigo, eleva-o bem alto, até Deus, e lá verás, no esplendor ethereo, aquella que foi o amor, a doçura, o anjo do teu lar.
Coelho Netto
Uma casa vazia após a morte
Após a morte de Clarisse, seu marido caiu em terrível prostração. O chefe de Policia autorizou a remoção do corpo para a residência da falecida, a fim de que fosse feita a autópsia.
Ruth, a afilhada e filha adotiva, sentia grande falta da madrinha. Em tardes belas e ensolaradas, Clarisse dizia: "Vou sair com meu "Porte Bonneur" - e vestia Ruth com roupas vindas do Japão e numa caleche puxada por éguas argentinas, ela desfilava com aquela boneca oriental.
Arthur estava ensimesmado e triste. Em suas mãos, tinha uma carta do Vaticano: "La Santitá di Nostro Signore Benedetti P.P. XV si é dignata di conferire la Croce Pro Ecclesia et Pontifice a Dona Clarisse Lage Indio do Brazil autorisandola ad ornarsene il petto nei modi di uso. Dal Vaticano, 3l Ottobre l9l9 Il Cardinale Segretario di Stato - Pietro, Cardinale Gasparri".

Em muitas homenagens, uma carta que parece uma jóia estava ao seu lado, na mesa de escritório - me lembro dessa mesa: tinha um relógio com mostrador de porcelana ornado de flores, as gavetas com puxadores de bronze, eram leões com argolas na boca e toda ela que era de madeira mogno, recoberta de macio couro - o mata-borrão de tartaruga ornado de florões de prata - o tinteiro, bela peça em prata: mas havia, um outro de sua predileção: um bloco de cristal com tampa de prata com um poema de Lamartine gravado de Clarisse para ele e embaixo da tampa, ele gravou para ela a resposta em francês do poeta Richepin: "Te amo, te amarei sempre porque o amor está na alma e a alma não morre nunca".
Em 30 de Dezembro de 1919, chegou a MEDALHA DA RAINHA ELISABETH DA BELGICA
Royaume de Belgique
LE MINISTRE DES AFFAIRES ETRANGÉRES a l'honneur de faire connaitre à Madame Indio do Brazil, que, pour reconnaitrele devouement dont elle a fait preuve dans les ouvres de guerre, il a plu au Roi de lui conférer, par arreté en date du 22 novembre 1918, la Médaille de la Reine Elisabeth.

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