sábado, 20 de dezembro de 2008

O BONDE







O BONDE





Eram oito horas da manhã.

Eu estava num bonde que corria de Ipanema à Copacabana.

Que fazia eu, num feriado às vésperas do Carnaval, naquele bonde?

Eu fugia.

Eu deixava uma casa de dois pavimentos em Ipanema, na Rua

Principal, a Visconde de Pirajá, residencia de classe média média,

E corria ali, eu, uma adolescente de uns 14 anos, para o apartamento

De um só cômodo, onde morava meu padrinho de batismo, para....

Exclusivamente usufruir da companhia dele... o que hoje, chamaría-

Mos, "curtir".

Nesses dias de véspera de Carnaval, ele recebia muitas encomendas

De shorts e bermudas, que ele, um homosexual, costurava, passava,

Para aquela porção de boêmios da vida noturna de Copacabana –

Usar no Carnaval.

Vinham também, as coristas do "Teatro Rebolado" pedir uma

Retocada numa fantasia.

Sabem também por que eu estava alí? Porque "aquela gente" me

Chamava de "Clarissinha" e eram todos carinhos para comigo, por

Ser eu afilhada do "Gaspar".


Na hora de buscar uma comida na rua, lá embaixo, eles perguntavam

O que eu gostaria de comer, e meu padrinho, acrescentava:

Ela não come carne, é hindu.
Como "eles" já haviam visto de tudo na vida e também experimentado

Boa parte "dela", achavam isso perfeitamente natural, e sem mais

Perguntas, traziam o que eu podia comer...

Muito diferente essa atitude da de minha casa, onde os burgueses da

Classe média, abriam os olhos espantados e logo acrescentavam:

- Mas isso é muito mal, a carne tem proteinas!

E no Carnaval, eu resolvi sair vestida com o sarong listrado das

Baiaderas hindús – as "Prostitutas Sagradas".

E foi la no apartamento, que uma ex-corista, grávida de seu primeiro

Casamento, isto sendo uma realização para ela, criada num orfanato

De freras, conseguiu enrolar o sarong de forma que me desse folga

Para eu caminhar.

Dela mesma, já com a filha de uns dois anos, ouvi:

Separei-me de meu marido, porque ele trazia um homem para a
Nossa cama, afim de fazermos uma surubada. E eu então, pensei:

Se é para ser puta, que eu seja sozinha.
Mas ela teve um segundo casamento em que foi muito feliz e adotou

Outra filha.

Eu pensava naquela casa preconceituosa que eu deixava naquela

Manhã, tão cedo, eu, a esquisita Clarisse para eles...

E onde está esse bonde?

Talvez tenha morrido numa estação e os pedaços de seu "corpo"-

Levados para um ferro-velho, após o decreto de retirada dos

Bondes – ou...

No Espaço, para onde for um dia meu espirito, onde eu possa

Navegar nele sem fuga, com todos os espiritos que viveram a

Segregação moral, quando tinham muita tolerancia dentro de si

Mesmos por tudo que tiveram de suportar na Terra, dos

Habitantes da burguesia da classe média...

Clarisse

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