quarta-feira, 9 de julho de 2008

OCEANO



OCEANO


Rose Mary gostava de ir ao cais, ver os navios que se aprontavam para a viagem.

Não ia só, pois o Cais era povoado por homens rudes, costumes "fora da sociedade", e ela estava exposta à uma agressão ou alguma palavra desrespeitosa; um casal de tios sempre a acompanhava: o tio tinha sido marinheiro e a tia mantivera uma casa de pensão para os homens do cais: foi assim que tinha se conhecido, o casal de tios.

As caravelas, com seus cascos de madeira, seus altos mastros para as velas, encantavam Rose Mary.

Houve um dia que foi memoravel, para Rose Mary:

- a mudança da figura-de-proa de um dos navios.

Rose Mary tinha um geito especial de pentear os longos cabelos loiros: ela os amassava para o ombro esquerdo, entrançando o amasso de cabelo com uma fita colorida, que variava de cores.

O entalhador de figuras de proa e outros ornamentos de madeira para navios, observou esse detalhe de Rose Mary, e entalhou uma figura de proa que se assemelhava à moça e colocou o cabelo do ornamento com o penteado que Rose Mary usava.

Rose Mary viu chegar a figura-de-proa, viu medirem-na para a colocação na proa e na mesma hora começou o entalhamento para receber a estátua de madeira.

Apesar da tia de Rose Mary ter começado a ficar doente, Rose Mary sempre encontrava alguém que a acompanhasse para vigiar a colocação da estátua.

Depois da figura-de-proa ter sido colocada na caravela, ainda assim levou um mês para o acertamento da próxima viagem: velas, galões de óleo, carnes defumadas, frutas secas,

vinho, aguardente, mantas, barrís com água doce, barrís para colher água da chuva, jaulas para galinhas, cabras, cocheiras para cavalos...

O dia em que a caravela devia deixar o porto, foi o dia seguinte da morte da tia: Rose Mary

chegando ao cais, ja viu o navio levando sua figura, se deslocando para o mar. Correndo para a torre da igreja próxima, Rose Mary acompanhou com o olhar a embarcação até ir

diminuindo na linha do horizonte.

A noite caiu. Rose Mary continuou na torre com medo de voltar sozinha para casa: enco-

lheu as pernas, aquecendo-as sob a saia ampla, e, ali se quedou até o amanhecer. As-

sitiu a primeira missa do dia e se misturando ao movimento do cais, voltou com as peixeiras para a rua que levava até sua casa.

Uns seis meses depois, o navio voltou ao Cais e Rose Mary sempre conseguia alguém que

a acompanhasse para contemplar a figura-de-proa.

O tio morreu, não antes de casar Rose Mary com um mercador rude que não entendia aquela obsessão da mulher pelo cais, e não compreendendo nada de nada, um dia, arrasado pelo ciumes, abateu Rose Mary com uma grande faca, ja quando ela tinha nas

entranhas, um filho de dois meses.

Na verdade, o Oceano carregou em suas ondas, o espirito de Rose Mary, durante muito tempo, agarrado à estátua de madeira.

Uma tempestade violenta, desmanchou o ja velho e cansado navio, despregando a figura-de-proa que ficou boiando durante muito tempo, até ser pegada por outro navio e vendida para outro País, que colocou a estátua num museu de navegação.

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Seculos depois, uma estudante de Antroposofia, encontrou a figura-de-proa esculpida em madeira de carvalho, num museu.

Daí em diante, o Oceano se transformou para a jovem estudante na imensa gruta do Universo, que, transforma a Morte em Vida e a Vida no objetivo de transformação das perdas e ganhos em alguma Realização da Existencia.

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